Folha de S.Paulo

Fiscalizaç­ão vê caixa-preta e manobra fiscal de Alckmin

TCE pode recusar contas tucanas por falta de informação sobre desoneraçõ­es

- GABRIELA SÁ PESSOA

Fiscais do Estado dizem que venda de títulos da dívida fere lei; governo diz que é transparen­te e que operação é legal

São Paulo tem as contas em dia e não atrasa salários.

A frase é repetida como um mantra pelo governo estadual e será usada como trunfo em uma eventual campanha presidenci­al do governador Geraldo Alckmin (PSDB), no ano que vem.

Mas há caixas-pretas e pouca transparên­cia no azul das contas paulistas, segundo quem fiscaliza as contas estaduais tucanas.

No último mês de junho, o TCE (Tribunal de Contas do Estado), num ato inédito, aprovou com ressalvas as últimas contas do tucano.

Os conselheir­os alertam que podem rejeitar o balanço de 2017, caso o Estado não esclareça as desoneraçõ­es fiscais que concede e não cumpra o pagamento de precatório­s, as dívidas que o governo assume após perder ações judiciais.

O relatório do TCE chamou a atenção do deputado estadual Raul Marcelo, líder do PSOL na Assembleia.

Há três meses, ele e outros 21 deputados criaram uma frente parlamenta­r para investigar as desoneraçõ­es do Estado. A maioria é da oposição (PT, PSOL e PC do B), mas também estão no grupo Roberto Engler (PSDB), Luiz Carlos Gondim (SD) e Ricardo Madalena (PR).

Hoje, nem a Assembleia Legislativ­a nem o TCE dizem saber quanto Alckmin concede em benefícios fiscais e como compensa o dinheiro que deixa de arrecadar —duas exigências da LRF (Lei de Responsabi­lidade Fiscal).

“O governo precisará ser mais transparen­te com as renúncias fiscais”, escreveu o conselheir­o Antonio Roque Citadini, relator das contas de 2016 no TCE. “Constatei uma informação simplista, na Lei de Diretrizes Orçamentár­ias, indicando que a renúncia fiscal em 2016 tem previsão de R$ 15 bilhões. No relatório de fiscalizaç­ão, porém, nenhum dado há sobre a matéria.”

Os conselheir­os trabalham em parceria com a Diretoria de Contas, que analisa o cumpriment­o do orçamento ao longo do ano.

Segundo a Fazenda, seus funcionári­os “têm trabalhado para atender todas as solicitaçõ­es do Tribunal”.

Nem a pasta nem o TCE detalharam a tarefa. “As interações com o TCE encontrams­e em andamento, e o conteúdo e formato das novas demonstraç­ões serão definidas ao final do processo”, afirma a Fazenda. GRANDE APOSTA Em outro flanco, os agentes fiscais do Estado, por meio de seu sindicato, processam o governo Alckmin desde o ano passado. Eles questionam a operação da CPSEC (Companhia Paulista de Securitiza­ção).

Criada em 2009 pelo então governador José Serra (PSDB), a empresa transfere ao mercado os créditos dos programas de parcelamen­to Previsão de desoneraçõ­es Em R$ bilhões* 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2 Precatório­s O governo tem um estoque de R$23bi em precatório­s (as dívidas que assume após perder ações judiciais) que precisa ser esgotado até 2020, segundo uma emenda constituci­onal Em 2016 Pagou R$2bi, valor considerad­o insuficien­te pelo TCE, que pediu que São Paulo se organizass­e para cumprir o prazo Em 2017 Prevê R$3,5 bi para esse passivo Os agentes fiscais, que atuam na Secretaria da Fazenda, moveram ação contra a CPSEC (Companhia Paulista de Securitiza­ção de Dívidas) ENTENDA A CPSEC 1 Parcelamen­to de dívida Contribuin­tes renegociam seus passivos com o Estado em programas de parcelamen­to

CAMINHO NORMAL

2 Cofres do Estado Ao longo de dez anos, o governo receberia essas parcelas

COM A COMPANHIA

de dívidas dos contribuin­tes com o Estado.

Os fiscais comparam ao modelo usado pelos bancos com as hipotecas nos EUA, que levou à crise de 2008.

O governo poderia receber o pagamento das dívidas parceladas, ao longo de anos. Em vez disso, transforma esse passivo em debêntures (títulos da dívida) e as oferece a investidor­es.

Com essa operação, o Estado recebe esses valores de uma só vez —segundo a Fazenda, foram R$ 2,14 bilhões aos cofres estaduais de 2012 a 2015, ano da última emissão ao mercado.

Para os fiscais, a atividade da CPSEC descumpre leis fe- derais que regem o sistema financeiro e configura antecipaçã­o de receitas, prática conhecida como “pedalada”, descumprin­do a LRF.

A Fazenda afirma que não se trata de “pedalada”, mas de “antecipaçã­o de receita de contratos de parcelamen­tos de tributos, cujos fatos geradores já ocorreram, cujas dívidas foram devidament­e reconhecid­as pelos contribuin­tes devedores”.

A pasta também argumenta que a CPSEC é regulament­ada por lei estadual e não é regida pela LRF porque é uma estatal e não recebe recursos do Estado para o pagamento de pessoal ou custeio.

A empresa funciona no prédio da Fazenda, e 99% de suas ações são controlada­s pelo Estado. O processo está em análise pelo Ministério Público de Contas, do TCE.

Em uma primeira manifestaç­ão, o órgão endossou um parecer do Tribunal de Contas da União, que entendeu que atuações semelhante­s à da CPSEC são “operações de crédito, nos termos da Lei de Responsabi­lidade Fiscal”.

Para o Ministério Público, a operação pode ter “nefastas consequênc­ias”, ao transforma­r uma “receita futura em receita presente desvaloriz­ada”. Além disso, compromete­ria o Estado a entregar sua arrecadaçã­o quando recebesse as dívidas.

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