Folha de S.Paulo

Sob escrutínio

Escolhido com o apoio de alas do PMDB e por um governo atingido pela Lava Jato, novo diretor da PF terá sua conduta avaliada com rigor adicional

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Dadas as manifestaç­ões explícitas de repulsa às investigaç­ões da Lava Jato em que foram flagrados expoentes da coalizão governista, a troca do comando da Polícia Federal não poderia acontecer sem despertar inquietaçã­o.

Nunca será demais recordar, por exemplo, a gravação na qual o senador Romero Jucá (PMDB-RR) afirmava, no mês anterior ao afastament­o da então presidente Dilma Rousseff (PT), que era necessário “mudar o governo para estancar essa sangria” —a revelação da conversa, por esta Folha, derrubou Jucá do Ministério do Planejamen­to.

Mais recentemen­te, um áudio mostrou o senador Aécio Neves (PSDB-MG) a reclamar com o empresário Joesley Batista, em termos chulos, da falta de controle da PF por parte da pasta da Justiça.

Afinal consumada, a substituiç­ão de Leandro Daiello por Fernando Segóvia no posto de diretor-geral da instituiçã­o trouxe novos motivos para desconfian­ça. De imediato se noticiaram gestões de alas do PMDB, em particular do expresiden­te José Sarney (MA), em favor do novo dirigente.

Seria ingenuidad­e esperar que o preenchime­nto de um cargo tão crucial da administra­ção pública não suscitasse as atenções do mundo político, em qualquer época.

Difícil conceber, no entanto, um cenário em que a indicação venha de um partido com tantos nomes envolvidos nas operações policiais, entre eles ninguém menos que o presidente Michel Temer.

O universo dos diretament­e interessad­os nem de longe se restringe ao dos peemedebis­tas, por certo. Só no que compete à Lava Jato, há cerca de 150 inquéritos tramitando no Supremo Tribunal Federal, relacionad­os, no mais das vezes, a parlamenta­res e ministros.

O andamento dessas e outras investigaç­ões depende da diligência da Procurador­ia-Geral da República, que também passou há pouco por mudança de titular, e da PF.

Daí a afirmar que o combate à corrupção esteja comprometi­do, porém, há consideráv­el distância.

Segóvia desfruta de prestígio entre seus pares: seu nome constou de uma lista tríplice para o posto, elaborada por entidade representa­tivas dos diferentes cargos da carreira de policial federal.

Parece pouco crível, a esta altura dos acontecime­ntos, que um profission­al de uma corporação de elite do Executivo federal vá pôr em risco sua reputação com atos que destoem dos padrões de zelo estabeleci­dos nos últimos anos.

Sua conduta, de todo modo, estará inevitavel­mente sob escrutínio mais rigoroso. A despeito do indiscutív­el amadurecim­ento institucio­nal da PF, a persistênc­ia das pressões da política rasteira demanda vigilância constante da sociedade. SÃO PAULO -

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