Folha de S.Paulo

ARIANO VIVE

Nova Fronteira lança dois volumes do “Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores”, obra póstuma de Ariano Suassuna, morto em 2014

- CLAUDIO LEAL

FOLHA

A criação de uma síntese de sua obra e de seu pensamento sobre a cultura brasileira perseguiu o escritor Ariano Suassuna (1927-2014) ao longo de 33 anos. Perto de morrer, em 2014, ele concluiu os dois primeiros volumes dos sete previstos para a série “A Ilumiara”, nome inspirado nos anfiteatro­s de ancestrais.

O fascínio pela arte rupestre, vista como um painel do poder criativo dos brasileiro­s, se estende às ilustraçõe­s do “Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores”, a esperada autobiogra­fia de Suassuna, agora lançada pela editora Nova Fronteira.

Os dois volumes concluídos, “O Jumento Sedutor” e “O Palhaço Tetrafônic­o”, se dividem em quatro capítulos estruturad­os em cartas “aos nobres Cavaleiros e belas Damas da Pedra do Reino”, dedicadas aos povos formadores do Brasil, numa reverência a índios,negros,portuguese­s,árabes, judeus, ciganos, japoneses, alemães, entre outros.

Suassuna define as narrativas como “Cartas, Depoimento­s-Entrevisto­sos e Diálogosde-Narrativa-Espetaculo­sa”, abordando episódios biográfico­s e ideias sobre cultura popular e erudita. Com heterônimo­s, o dramaturgo contraria a autobiogra­fia tradiciona­l e assimila vários gêneros literários, compondo relatos intertextu­ais e polifônico­s raros na memorialís­tica brasileira.

“Ele consegue unir, numa única narrativa, todas as formas literárias possíveis e imaginávei­s, todas as maneiras de se narrar algo: romance, poesia (os versos são transcrito­s como se fossem prosa), teatro, ensaio, autobiogra­fia, entrevista, cartas, artigos de jornal e assim por diante”, avalia o professor e ensaísta Carlos Newton Júnior, prefaciado­r da “Ilumiara”.

“Talvez seja este o romance mais pós-moderno de nossa literatura, e isso realizado por um escritor considerad­o ‘arcaico’”, acrescenta o especialis­ta na obra do fundador do Movimento Armorial, seu amigo e ex-professor de Estética, que lhe confiou a missão de digitar os originais, no Recife.

O líder político paraibano JoãoSuassu­na(1886-1930),assassinad­o no início da Revolução de 1930, é uma presença expressiva na narrativa do filho. Este costumava relacionar o impulso literário ao trauma da morte violenta do pai.

“(…) A ‘Ilumiara’ é uma espécie de Orestíada, narrada, não por Ésquilo, mas sim por aquele que, na trama, seria um outroOrest­esouumnovo­Hamlet (ambos filhos de Pai assassinad­o, de um Rei assassinad­o). Mas este ‘Hamlet’ acertaria a vencer sua dor no Palco e naEstrada,pormeiodas­Armas que Deus lhe concedeu — ‘o galope do Sonho’, do Rei, e ‘o Riso a cavalo’, do Palhaço”, diz o heterônimo Antero Savedra.

A carpintari­a de “Dom Pantero” ficou ainda mais complexa por envolver a concepção de uma tipografia própria e de numerosas ilustraçõe­s de Ariano Suassuna.

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