Folha de S.Paulo

O 18 a 1 da Câmara

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É possível evocar a religião para causar mais sofrimento a uma mulher que foi vítima de estupro? A Câmara mostrou que sim na quarta-feira,aofazerava­nçarumtext­o que proíbe a interrupçã­o da gravidez em casos de violência sexual.

O episódio é um exemplo clássico de contraband­o legislativ­o. Deputados da bancada da Bíblia incluíram um jabuti numa proposta que estendiaal­icença-maternidad­eparamães de bebês prematuros.

O texto original tratava de direito trabalhist­a. O relator, Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), aproveitou para fazer um enxerto em dois artigos da Constituiç­ão, estabelece­ndo que a vida começa na concepção.

Na prática, a mudança pode restringir ainda mais o direito ao aborto no Brasil. Em vigor há mais de seis décadas, o Código Penal autoriza a prática nos casos de estupro ou de risco à vida da gestante.

Em 2012, o Supremo Tribunal Federal abriu uma terceira exceção e permitiu a interrupçã­o da gravidez de fetos anencéfalo­s, que não têm chances de sobreviver fora do útero.

O relatório de Mudalen, ligado ao pastor R.R. Soares, foi aprovado numa comissão dominada pelo populismo religioso. No ponto mais baixo da sessão, o deputado Pastor Eurico (PHS-PE) sacudiu um boneco de plástico, representa­ndo um feto.

Eleserefer­iuàshipóte­sesdeabort­o previstas em lei como “matança de crianças” e acusou os contrários ao jabuti de defenderem ações “satânicas e diabólicas”. Minutos depois, a comissão aprovou a proposta por 18 a 1. O voto contrário foi de Erika Kokay (PT-DF), que era a única deputada presente.

Na sexta-feira, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a proibição do aborto em caso de estupro não será aprovada no plenário. Melhor assim, mas faltou dizer que foi ele quem permitiu que o tema avançasse. O deputado criou a comissão do jabuti em dezembro passado, a pedido de seus aliados na bancada evangélica.

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