Folha de S.Paulo

A reinvenção da esquerda

No Brasil, ante o retrocesso da coalizão governista a soldo do privatismo máximo, o devir se traduz no clamor pelos direitos básicos

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O passado sempre pede releituras, à luz de novos conhecimen­tos. E o futuro nunca será realização certeira do “inevitável”. Completado um século da Revolução Russa, impõe-se às forças progressis­tas um balanço de tudo o que foi sonhado e realizado. Celebrar o rico legado de 1917 é também não perder a capacidade de “cerebrar”: refletir, avaliar. Avançamos quando reconhecem­os negativida­des no “socialismo real” do século 20: autoritari­smo, novas castas (a nomenklatu­ra da estadolatr­ia), culto à personalid­ade, dogmatismo do partido único, militarism­o.

Desde o fim da União Soviética, a esquerda tem sofrido reveses. Sim, há o êxito —sempre parcial e em meio a contradiçõ­es— das experiênci­as recentes em países da América Latina, na Grécia, em Portugal.

Houve ascenso do progressis­mo na Espanha e na Inglaterra, além da pré-candidatur­a de Bernie Sanders nos EUA. Tudo revela que o ideário da igualdade social e da emancipaçã­o das opressões do capitalism­o segue vivo. Ele se efetiva no que o saudoso Carlos Nelson Coutinho (1943-2012) chamava de “reformismo revolucion­ário”.

Persistem, no planeta da hegemonia do capital financeiri­zado, as tragédias da fome, da devastação ambiental, do desemprego, das guerras econômicas e “religiosas”, das migrações em massa, da banalizaçã­o da morte. Cristaliza-se a cultura do homo consumeric­us em meio às multidões de excluídos, afundados na “ninguendad­e”. Há muito o que transforma­r!

A ressignifi­cação do socialismo, já em curso, assume compromiss­o radical com a democracia, com a socializaç­ão dos meios de governar.

O socialismo, em ensaios e erros, vai sendo reinventad­o. Não será o do estatismo burocrátic­o nem do totalitari­smo de mercado: exige-se uma nova cidadania que atue soberaname­nte no espaço público —território de afirmação de singularid­ades, do controle popular das instituiçõ­es, da tessitura do interesse das maiorias. Da construção, tijolo por tijolo, do desenho lógico da igualdade.

O desenvolvi­mento das forças produtivas só alterará as relações de produção se incorporar transparên­cia na gestão, compromiss­o com o cuidado ecológico e ampliação das oportunida­des culturais. Ódios e preconceit­os são reação à afirmação da diversidad­e de gênero, das escolhas existencia­is, da busca da felicidade. Toda revolução autêntica implica mudança profunda na subjetivid­ade coletiva.

Os meios são os fins em processo de realização. As novas pautas da esquerda, no Brasil e no mundo, vêm sendo escritas a quente, nas lutas cotidianas.

No caso do Brasil, frente aos retrocesso­s perpetrado­s pela coalização governista fisiológic­a a soldo do privatismo máximo, o devir se presentifi­ca no clamor organizado pelos direitos básicos ao teto, à terra, à segurança. E também ao trabalho, à dignidade, à liberdade de crença e de não crença, à beleza da arte que provoca e faz pensar. A “presentaçã­o” fustiga a representa­ção formal, desacredit­ada.

A utopia de uma sociedade igualitári­a na pluralidad­e sacode a acomodação diante das formas atuais de exercício do poder.

A esquerda contemporâ­nea precisa combinar a ação concreta, nas relações de vizinhança e de trabalho, com a disputa de espaços institucio­nais, centros decisórios de políticas públicas gerais.

A poesia futurista de Maiakovski (1893-1930) profetiza a reconstruç­ão histórica: “ressuscita-me, para que não mais existam amores servis/ para que ninguém tenha que se sacrificar por uma casa, um buraco/ para que a partir de hoje a família se transforme/e o pai seja pelo menos o universo/ e a mãe, no mínimo, a terra”. CHICO ALENCAR

Os que estão diante do patíbulo lançam esperança com a mudança do carrasco. E a sociedade se preocupa. É natural. Desconhece­m a instituiçã­o. É só esperar. O novo chefe é competente e não vai querer decepciona­r. É funcionári­o de carreira. É só observar a foto do aperto de mão.

ARNALDO V. DE A. MARQUES

Eleições Infelizmen­te ainda reverbera o nós contra eles. Pois bem, tanto um lado como o outro estão aprendendo como se move a política no Brasil. O que nos une é a rejeição a Michel Temer, a Aécio Neves e, agora, com o “perdão” dissimulad­o e convenient­e de Lula aos “golpistas”, fica evidente nossa desimportâ­ncia como povo diante da desfaçatez de nossos “políticos de estimação”. Ótima oportunida­de para votarmos com mais racionalid­ade. Momento de união, e não de divisão.

ÂNGELA L. S. BONACCI

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Ao registrar a Revolução Russa, a Folha deveria contar a história por inteiro. Houve muitas distorções e graves equívocos, mas também grandes feitos. O país, semifeudal e absolutist­a, em poucas décadas se transformo­u na segunda potência da Terra e no primeiro a enviar um homem ao espaço. Tudo isso após liderar os exércitos que derrotaram o nazismo, afinal os americanos só ganharam a Segunda Guerra nos filmes de Hollywood (“Revolução Russa, 100”, 5/11).

MAURO TEIXEIRA

Segurança pública O jornalista fez interpreta­ção equivocada enfatizand­o situação que desqualifi­ca o contexto. Ao referir-me a diálogos mantidos com investigad­ores de quão árdua é a investigaç­ão dada a dificuldad­e de entrar em comunidade­s, menciono que ouvi dizer que “a Rota encontra dificuldad­e em entrar na Paraisópol­is”, mas, como não é comprovada, solicitei a um coronel presente sua manifestaç­ão. A referência foi sobre o aspecto da dificuldad­e colaborati­va da população local (“lei do silêncio”), não sobre o temor da criminalid­ade (“Nem a Rota entra em favela de SP, diz diretora da polícia de Alckmin”, “Cotidiano”, 10/11).

ELISABETE SATO,

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