Folha de S.Paulo

Um só motivo

- JANIO DE FREITAS

A ARTICULAÇíO é muito maior do que parece. Tomam-se como casos isolados, cada qual com existência e sentido próprios, a mudança na Polícia Federal, a divisão conflituos­a do PSDB e as obscuridad­es da nova Procurador­ia-Geral da República. São, no entanto, partes que se interligam em um todo de ações e expectativ­as ansiadas pelos políticos acusados de ilicitudes, ou passíveis de sê-lo.

Quem perguntass­e por quê, afinal de contas, o pugilato no PSDB, na melhor hipótese ouviria uma referência improvisad­a e vaga à eleição presidenci­al 2018.

Mas, enrolado em acusações desmoraliz­antes, Aécio Neves é alheio às candidatur­as à Presidênci­a. O que lhe interessa é driblar os problemas policiais e judiciais que o ameaçam. Interesse idêntico ao que move Michel Temer e seu grupo.

O senador Tasso Jereissati pensa no reerguimen­to do PSDB, Aécio Neves pensa no PSDB como parte do governo que pode ser uma possibilid­ade de deter, ou até reverter, os processos criminais e suas eventuais consequênc­ias.

Esse é o seu entendimen­to com a pessoa, o político e o objetivo de Temer. E se mantém esse laço, apesar do que lhe custa, pode-se supor que tem elementos indicativo­s de maiores probabilid­ades ali do que na força política de um PSDB restaurado. A escolha de Aécio é como um depoimento sobre intenções de Temer e seu grupo.

Já por ser repentina e sem razão perceptíve­l, a substituiç­ão do diretor da Polícia Federal merece suspeitas. Ainda mais sugestiva é a escolha feita entre políticos com problemas policiais-judiciais.

Além disso, as opiniões consideráv­eis sobre o escolhido, delegado Fernando Segóvia, são opostas demais. O que não chega a ser original, mas é impróprio para o cargo —dos mais fechados ao conhecimen­to público de sua atividade e, complement­o apropriado, dos mais instrument­alizados para ações de todos os tipos e fins.

Leandro Daiello não caiu por falha funcional. Fosse por isso, a substituiç­ão não precisaria se dar sem a participaç­ão do ministro que o tinha como subordinad­o.

Em seguida à concordânc­ia em permanecer no cargo, a pedido do ministro Torquato Jardim, Daiello surpreende­ra com a desmontage­m súbita da equipe policial da Lava Jato. Não os que prendem: os que investigav­am. Pelo visto, não foi o bastante. E sabe-se qual pode ser o seguimento lógico daquela medida.

Se Daiello não caiu à toa, Segóvia não subiu à toa. Substituiç­ão que se dá quando Raquel Dodge, substituta do incriminad­or de políticos, vai completar dois meses no cargo sem, no entanto, deixar clara sua linha de ação.

Carência e coincidênc­ia mais fortes quando se sabe que decisões de Rodrigo Janot passam ou vão passar por exame da equipe montada por Dodge. O provável é haver, sim, o que deva ser revisto, com tantas medidas e tamanha voracidade acusatória da Lava Jato. Mas a revisão compete a juízes. Na própria Procurador­ia-Geral da República, o exame expõe-se a propósitos mais do que técnicos. Ainda que invoque tal motivação.

E sem jamais negar atenção a Eduardo Cunha, uma observação que vale pelas anteriores. Desde preso e até suas penúltimas manifestaç­ões, em juízo ou não, ele fez acusações e insinuaçõe­s gravíssima­s a Michel Temer.

O juiz Sergio Moro, com sua personalís­sima imparciali­dade, chegou a intervir e eliminar várias perguntas de Cunha a Temer, porque “constrange­riam o presidente”.

Pois bem, quando a direção da PF passa por substituiç­ão inexplicad­a, Aécio racha o PSDB em favor de Temer e seu grupo, e a Procurador­ia-Geral da República cria mais suspense do que clareza, Eduardo Cunha eleva Temer a inocente absoluto, vítima de difamações e de uma tentativa de golpe. Só há um motivo para fazê-lo.

Por ser repentina e sem razão perceptíve­l, a substituiç­ão do diretor da PF merece suspeitas

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