Não achamos que ‘fake news’ seriam tão importantes
PARA JORNALISTA VENCEDORA DO PULITZER POR CHECAGEM DE FATOS, IMPACTO DE NOTÍCIAS FALSAS NA ELEIÇÃO DE TRUMP FOI SUBESTIMADO
DO RIO
Menosprezar o impacto que as “fake news” —notícias falsas, geralmente criadas com objetivo político ou financeiro— poderiam ter nas eleições foi um erro que jornalistas, eleitores e políticos dos EUA cometeram na campanha presidencial de 2016.
A opinião é da jornalista americana Angie Holan, editora do site de checagem de fatos Politifact, e vem como alerta para que os brasileiros não repitam os equívocos que transformaram a disputa entre Hillary Clinton e Donald Trump num embate de muitas agressões e poucas ideias.
Repórter no time que ganhou o Prêmio Pulitzer de 2009 pela checagem de fatos nas eleições americanas do ano anterior, Holan diz que seu trabalho de atestar a veracidade das declarações de políticos tornou-se mais relevante sob o governo de um presidente com pouco apreço pela verdade.
Ela conversou com a Folha no Rio, onde participa, neste domingo (12), do Festival 3i – Jornalismo Inovador, Inspirador e Independente, criado por oito organizações de jornalismo on-line e pelo Google News Lab.
Em sua mesa (“Polarização e Eleições”), a americana vai discutir a importância de fazer bom jornalismo e checagem de fatos numa época de divisão política radical e de ânimos exaltados. Folha - O Brasil deve ter uma campanha eleitoral tumultuada em 2018. O que a última eleição americana pode nos ensinar?
Angie Holan - Para jornalistas, diria que devem tratar as “fake news” com seriedade. Deveríamosterfeitomaischecagem de fatos em cima dessas notícias falsas durante a eleição,masnãoachamosque fossemserumfatortãoimportante quanto foram.
NosEUA,oscandidatosnão queriam discutir os grandes temas, mas se atacar: Hillary atacava a falta de preparo de Trump para o cargo, e Trump atacava Hillary e todos os demaispornãofazeremumbom trabalho. Mas não eram acusações embasadas.
O público também tem a responsabilidadedeestarbem informado. E os políticos têm as obrigações de sempre: divulgar suas posições, participar de debates. Há uma ideia de que, se os jornalistas fizes- sem seu trabalho melhor, as campanhas seriam melhores, mas não sei se é verdade. Às vezes, os políticos só querem apelar às emoções das pessoas, e não temos poder de ditar o tipo de campanha que eles devem fazer. Como os leitores podem se blindar das notícias falsas?
Eles devem estar sempre desconfiados quando usam redes sociais, especialmente o Facebook. Se virem uma manchete surpreendente, do tipo “meu Deus, não acredito nisso”, devem checar, mesmo que tenha vindo de amigos ou da família. Se virem algo muito emocional ou virulento, ou que diz as piores coisas sobre um dos candidatos, têm a responsabilidade de checar, de ir maisfundo.Nasredessociais, os títulos são os mais enganadores.Entãosugiroaopúblico que seja muito cauteloso com os títulos e textos curtos que vênasredessociais.Leiamais reportagens aprofundadas. O próprio termo “fake news” tem sido usado de forma deturpada, não?
Sim. Nós, checadores de fatos, definimos “fake news” como notícias inventadas que se passam por textos jornalísticos. Trump define como notícias de que ele não gosta.
Ele frequentemente trata notícias de empresas jornalísticas de tradição, com procedimentos e práticas de reportagem, como “fake news”. Como jornalistas, precisamos reagir a isso, dizer que aquilo não é notícia falsa, mas reportagem de verdade, ainda que alguém não goste.
Se os políticos repetem mentiras seguidamente, precisamos corrigi-los repetidamente. Por exemplo, Trump vive repetindo que os EUA são o país com os impostos mais altos do mundo, e não somos. Trump é um exemplo de político que usa as redes sociais para falar diretamente ao público, ignorando a imprensa. Isso enfraquece o jornalismo?
Todos os políticos têm o direito de falar diretamente com os eleitores, passando as mensagenscomoquiserem.O problema é que, ao mesmo tempo em que Trump usa o Twitter,eleevitaasentrevistas coletivas da imprensa, que é quando os questionamentos sobre a Presidência são feitos. E temos problemas com sua porta-voz [Sarah Sanders] que, quando questionada sobre as imprecisões de Trump, diz que ele está certo, mesmo com evidência em contrário. A mídia americana o critica mais do que fez com outros presidentes? Há exageros?
Para jornalistas profissionais, é muito importante que oprincípiodaverdadeoriente suas reportagens. Trump diz coisas que são incorretas, repetidamente. Nunca saberemos se ele acha que o que diz é verdade, mas quando a imprensa busca reportar com precisão e ele diz coisas incorretas, isso cria muita tensão nessa relação. É por isso que ele tem uma relação tão antagônica com a imprensa. Dito isso,opresidenteBarackObama não amava a imprensa, tinha muitas reclamações e sua administração foi muito dura contra os “whistleblowers”, gente que trabalhava nogovernoevazava[informações] para a imprensa. Como o governo Trump afetou a vida dos jornalistas que fazem checagem de fatos?
Ele não mudou nosso trabalho, temos um método estabelecido para checagem: procuramos evidências, fontes originais, falamos com um amplo espectro de especialistas. A diferença é que o nível de imprecisão dele é maior do que o de outros políticos, então trabalhamos mais. Qual a responsabilidade do Google e do Facebook na disseminação das “fake news”?
O Facebook foi surpreendidoem2016pelopoderdesuas ferramentas e por como elas podiam ser usadas por atores estrangeiros ou extremistas políticos. Tem tomado alguns passos para corrigir isso, mas é cedo para saber se vai funcionar. Nós [PolitiFact] temos uma parceria com o Facebook para fazer checagem de “fake news”, mas ainda é inicial.
OGoogletambémtemlevado em conta sua responsabilidade em promover um ambiente midiático responsável, tem tentado destacar organizações com histórico de bom jornalismo. Isso é animador.