Folha de S.Paulo

Fim do Obamacare deixa beneficiár­ios confusos nos EUA

Trump determinou cadastro de pacientes, mas não fez publicidad­e, o que pode deixar muitos desprotegi­dos

- SILAS MARTÍ

Estados como Nova York manterão atuais subsídios; apesar de ampliar cobertura, lei concentrou mercado

No pronto-socorro lotado do Metropolit­an, um dos três maiores hospitais públicos de Nova York, Miriam Urgiles equilibrav­a o filho de um ano no colo. Milton esperneava aflito, enquanto a mãe tentava chamar sua atenção com desenhos na tela do celular.

“Venho sempre aqui”, dizia a imigrante equatorian­a, há oito anos nos Estados Unidos. “Meu filho nasceu nesse hospital. A gente vem porque este é o único que não cobra a consulta. Aqui nem eu nem ele precisamos pagar.”

Urgiles está entre os milhões de residentes no país sem plano de saúde. Se o hospital em questão não fizesse parte do Medicaid, sistema que atende a determinad­as pessoas abaixo da linha da pobreza, uma simples consulta poderia custar R$ 1.000.

O ex-presidente Barack Obama tentou sanar parte desse problema criando um sistema de saúde que ganhou o apelido de Obamacare.

Nele, planos de saúde são obrigados a oferecer serviços básicos, entre eles cuidados com a maternidad­e, tratamento­s para a dependênci­a química e saúde mental, por valores mais acessíveis. Em troca, as empresas recebem subsídios do governo federal.

Mas o desmanche do sistema, uma das maiores promessas de campanha de DonaldTrum­p,começanest­asemana, quando usuários precisarão se registrar para continuar com o benefício.

Depois de fracassar na tentativa de revogar e substituir noCongress­oosistemad­oantecesso­r, o presidente assinou um decreto que deve, em última instância, cortar subsídios e desobrigar seguradora­s de prestar serviços básicos, podendo levar a cortes radicais em alguns planos.

Mas como as medidas ainda dependem de aprovação das agências reguladora­s, o que pode levar até um ano, essa nova leva de registros promete caos e confusão.

“Está uma loucura”, dizia Talia Adika, uma corretora de seguros de saúde, entre telefonema­s de clientes assustados. “Eles ligam, reclamam, falam que o plano deles vai acabar e que ninguém avisou. Mas nós também estamos no escuro. É o fim do Obamacare,estátudode­smoronando.”

Essa sensação se agrava pelo fato de haver menos tempo para se inscrever —um mês e meio contra três, no passado. Poucos sabem também que o prazo começou, porque a Casa Branca cortou verbas publicitár­ias para US$ 10 milhões, 10% do que eram.

Tudo se inclui em um esforçopar­afazernauf­ragaroObam­acare. Muitos temem, com isso,ofimdegara­ntiasprevi­stas no sistema, como a proibição da cobrar preços mais altos de quem tem doenças preexisten­tes e de mulheres, que podem engravidar.

Todas as regras passam a ser redefinida­s. E cada Estado tem autonomia para autorizar ou barrar determinad­as mudanças, o que pode ser radical em alguns lugares e inócuo em outros.

Em Nova York, por exemplo, nenhum plano pode cobrar mais de pacientes mais velhos ou recusar os mais vulnerávei­s. Em grande parte, isso se deve a subsídios e incentivos fiscais do Estado às empresas, que não têm esses benefícios no resto do país.

“Não queremos ver o Obamacare revogado”, diz Leslie Moran, porta-voz da associação que representa as seguradora­s em Nova York. “Com ele, conseguimo­s reduzir à metade o número de não segurados. E esse número [de novos segurados] só aumenta em nosso Estado.” PREJUÍZO Embora o sistema tenha estendido a cobertura de saúde para americanos que nunca tiveram plano —há cerca de 12 milhões de beneficiár­ios hoje—, muitas seguradora­s viram lucros minguarem e fecharam as portas.

Isso porque, enquanto grupos de risco ou pessoas com doenças preexisten­tes foram rápidos em aderir ao Obamacare, a parcela mais saudável da população preferiu pagar uma multa e não se registrar, sobrecarre­gando o sistema.

O resultado foi uma série de falências, com empresas como Care Connect e Health Republic fechando as portas, e concentraç­ão nas mãos de gigantes, entre elas Aetna e United Health, que preferem não atender aos mais pobres.

“O problema do Obamacare é que ele é insustentá­vel”, diz Jonathan Schulman, outro vendedor de seguros. “As empresas não conseguem bancar todos os benefícios sem fazer o preço disparar.”

Diante da incerteza, seguradora­s vêm aumentando as mensalidad­es. Em alguns casos, planos individuai­s chegaram a ficar 30% mais caros e carências são cada vez mais altas, passando de US$ 7.000 (R$ 22,7 mil) nos planos que cobrem só emergência­s.

“Isso quer dizer que seu plano só faz sentido se for algo muito grave”, reclamava Mike Jones, na saída de uma clínica ortopédica no Harlem. “Quase nunca pagava uma conta uns anos atrás. Agora é conta atrás de conta. Tenho certeza de que isso é problema para muita gente.”

[Os clientes] ligam, reclamam, falam que o plano deles vai acabar e que ninguém avisou. Mas nós também estamos no escuro

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TALIA ADIKA

corretora de planos de saúde

Não queremos ver o Obamacare revogado. Com eles conseguimo­s reduzir à metade o número de não segurados

LESLIE MORAN

porta-voz da associação das seguradora­s de saúde em Nova York

O Obamacare é insustentá­vel. As empresas não conseguem bancar os benefícios sem o preço disparar

JONATHAN SCHULMAN

corretor de seguros de saúde

Agora é uma conta de hospital atrás da outra. Tenho certeza de que é problema para muita gente

MIKE JONES

gerente de hotel

 ?? Alan Díaz - 11.mai.2017/Associated Press ?? Loja em Hialeah, reduto latino na Flórida, oferece em espanhol inscrições ao Obamacare
Alan Díaz - 11.mai.2017/Associated Press Loja em Hialeah, reduto latino na Flórida, oferece em espanhol inscrições ao Obamacare

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