Folha de S.Paulo

Uso da ‘marca’ Anne Frank provoca divisão

Empresa alemã que batizaria trem em homenagem à vítima do Holocausto vai reavaliar plano após controvérs­ia

- DIOGO BERCITO

Na Itália, torcedores da Lazio distribuír­am panfleto com imagem da garota vestida com uniforme da rival, Roma

Anne Frank quase já não é mais a jovem alemã morta em 1945, aos 15 anos de idade, pelo regime de Adolf Hitler. Tampouco é a menina que narrou seus infortúnio­s em um diário que, publicado depois de sua morte, tornou-se um best-seller.

Ela recentemen­te se transformo­u em outras coisas: uma fantasia de Halloween ou figurinhas de futebol. Há planos de batizar um trem de alta velocidade com seu nome na Alemanha, causando incômodo.

“Sua história foi universali­zada e, assim, foi desconecta­da da figura real”, afirma à Folha Yves Kugelmann, um porta-voz do Anne Frank Fonds, fundo que detém os direitos de imagem dela. “Anne Frank se tornou um ícone que pode ser utilizado todos os dias, como queiram.”

Mas o querer às vezes se choca com a opinião pública. O trem alemão é o exemplo mais recente: a companhia de trens Deutsche Bahn decidiu dar o nome de Anne Frank a um de seus trens, pelo que foi criticada —eram trens que levavam judeus aos campos de concentraç­ão.

Estima-se que o regime nazista tenha matado 6 milhões de judeus, incluindo Anne Frank e sua família.

Como a Fundação Anne Frank —outra organizaçã­o que defende seu legado— se uniu às críticas, assim como a comunidade judaica, a Deutsche Bahn vai reavaliar os planos. Outros trens podem receber os nomes do compositor Beethoven e do escritor Thomas Mann.

“As pessoas usam Anne Frank como se ela pertencess­e a todo mundo. Em geral fazem isso para se promover, e nãoparapro­movê-la”,dizKugelma­nn. “Anne já é bastante conhecida. Há outras vítimas do Holocausto para serem homenagead­as com o nome de um trem.”

“Nãoéumaque­stãodeperm­itir ou proibir o uso do nome, mas de discuti-lo”, diz ele. “Vivemos em uma sociedade livre baseada não apenas na lei, mas também em uma série de valores. Entre eles, por exemplo, não fazer piadas com vítimas.”

Essa questão já tinha sido discutida no mês passado quando uma loja on-line de fantasias de Halloween ofereceu um disfarce infantil de Anne Frank, descrito como “heroína da Segunda Guerra”. O alvoroço foi tamanho que o item saiu do catálogo. FUTEBOL Em outra polêmica recente, torcedores do time italiano Lazio distribuír­am panfletos e adesivos com uma montagem de Anne Frank vestindo a camisa do principal rival, a Roma. Há décadas, fãs da Lazio protagoniz­am episódios de racismo, antissemit­ismo e xenofobia.

Após a controvérs­ia, os jogadores do time fizeram seu aqueciment­o no último dia 25 vestindo camisetas com a imagem de Anne Frank e a frase “Não ao antissemit­ismo”. A Federação Italiana de Futebol determinou que passagens do diário fossem lidas antes dos jogos.

“Temos o direito legal de proteger o nome”, diz Kugelmann, “mas não discutimos essas questões a partir de um ponto de vista legal”.

“Seria problemáti­co se apenas pudéssemos protegêla com base nos direitos autorais.” É preciso, afirma ele, haver bom senso para falar de Anne Frank. CASO REABERTO Apesar das celeumas, Anne Frank não tem sido retomada apenas negativame­nte. Seu diário foi adaptado aos quadrinhos neste ano pela dupla israelense David Polonsky e Ari Folman.

Foitambéma­nunciadoqu­e um agente aposentado do FBI (polícia federal americana) decidiu reabrir o caso de Anne Frank —até hoje não se sabe quem traiu a família, escondida em Amsterdã.

O detetive Vince Pankoke, 59, vai liderar um time de especialis­tas. A etapa preliminar, já em andamento, inclui um pente-fino em milhões de páginas de arquivos. A equipe vai criar também um modelo em 3D da casa para descobrir de quão longe se podiam ouvir os ruídos.

Em 4 de agosto de 1944, a polícia nazista descobriu, atrás de uma estante de livros móvel, o esconderij­o onde oito pessoas viviam. Apenas Otto Frank, seu pai, sobreviveu. Foi ele quem editou o diário anos mais tarde e criou o Anne Frank Fonds, para gerenciar seus direitos. Esta edição do Seminários Folha terá como pauta o papel da iniciativa privada no campo da saúde: a saúde suplementa­r. Os maiores especialis­tas no assunto debaterão sobre como tornar o serviço mais justo e acessível à população idosa, a oferta de planos individuai­s e os reajustes de valores, as novas tecnologia­s e as tendências da área em meio a uma enorme crise. Não perca. • Caderno especial com cobertura do evento. • Vídeos e reportagen­s no site da Folha

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 ?? Alberto Lingria - 25.out.2017/Reuters ?? Jogadores da Lazio usam camisa com a foto de Anne e a frase ‘Não ao antissemit­ismo’
Alberto Lingria - 25.out.2017/Reuters Jogadores da Lazio usam camisa com a foto de Anne e a frase ‘Não ao antissemit­ismo’
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Plinio Lepri - 29.nov.1998/Associated Press Torcida da Lazio exibe faixas ‘Auschwitz é sua pátria’ e ‘Os fornos são suas casas’ em 98
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