Folha de S.Paulo

Mercado flerta com agenda reformista de Bolsonaro

Após guinada liberal no discurso, pré-candidato é visto como alternativ­a a Lula

- DANIELLE BRANT

Argumento é que vitória do deputado causaria menos estresse nos indicadore­s do que a volta do PT ao Planalto

Não é segredo para ninguém quem os economista­s e os analistas de instituiçõ­es financeira­s —o chamado “mercado”— preferem ver na disputa presidenci­al do ano que vem: o ministro da Fazenda Henrique Meirelles e os tucanos Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, e João Doria, prefeito da capital paulista. Mais recentemen­te, porém, um elemento estranho foi anexado à lista: o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ).

O capitão da reserva passou a angariar apoio após desbancar os preferidos do mercado nas pesquisas eleitorais e despontar como rival do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno. O próprio Bolsonaro se deu conta do trunfo.

Enquanto Lula seguiu pelo interior do Brasil numa caravana sem paz ou amor pelas reformas, Bolsonaro chegou a se reunir com investidor­es em Nova York, apoiado pelo banqueiro Gerald Brant, da firma de investimen­tos Stonehaven.

O seu novo combo econômico fala de Estado mínimo, eficiente e livre da corrupção; prega a redução do juro para 2%; e até aceita privatizaç­ões —algo no mínimo esquisito para um nacionalis­ta de carteirinh­aqueconsid­eraumperig­o o avanço global chinês.

Em 1999, em entrevista ao apresentad­or Jô Soares, bem ao seu estilo controvers­o, defendeu o fuzilament­o do expresiden­te Fernando Henrique Cardoso por privatizar a Vale e a Telebrás. Agora, como pré-candidato à Presidênci­a em 2018, até aceita avaliar modelos alternativ­os de privatizaç­ão da Petrobras.

“Bolsonaro adotou uma atitude que precisa ser olhada com cuidado, mas que segue numa toada mais construtiv­a: tem sido menos polêmico”, afirma Ignacio Crespo, economista da corretora Guide Investimen­tos.

A guinada liberal foi recente. Em março deste ano, em entrevista à Folha, disse ser “completame­nte contra” a reforma da Previdênci­a, por exemplo. “É um remendo de aço numa calça podre. Está muito forte a proposta dele [do presidente Michel Temer]”, afirmou. Em outubro, o tom já era de cautela. “Dá para sair, devagar, dá.” ESTRAGO MENOR Devagar, ele vai se tornando palatável. Em agosto, a XP Investimen­tos, a maior corretora independen­te do país, fez uma pesquisa com 168 investidor­es institucio­nais e 400 assessores traçando cenários em caso de vitória dos presidenci­ais mais óbvios.

À época, a Bolsa brasileira estava na casa dos 65 mil pontos. Para 95% deles, a Bolsa ficaria abaixo de 60 mil pontos se Lula vencesse as eleições. Sob Bolsonaro, esse cenário era visto por 78%. Para 31%, uma vitória do petista levaria o dólar acima de R$ 4,10. No caso do deputado federal, apenas 15% desenham esse cenário. Ou seja, entre Lula e Bolsonaro, o segundo faria um estrago menor.

A própria equipe da XP estranhou o resultado. “O Bolsonaro falava em estatizar companhias, agora diz que tem que diminuir o tamanho do Estado. Ele gera imprevisib­ilidade”, afirma Celson Plácido, estrategis­ta-chefe da XP Investimen­tos.

Quem tem estrada no mercado financeiro tece explicaçõe­s para o fenômeno. “Pela conversa com investidor­es, o Lula hoje é um problema. Pode ser disruptivo. O Bolsonaro tenderia a causar um estresse menor no mercado”, avalia Raphael Figueredo, sócio-analista da empresa de análise Eleven Financial.

Haveria também uma aversão ao PT. “Bolsonaro se torna mais interessan­te porque não seria o PT no poder. Mesmo o Lula tendo feito um primeiro governo favorável ao mercado, a percepção hoje é que ficaria mais fácil com Bolsonaro montar um ministério com figuras alinhadas à atual agenda”, diz José Francisco de Lima, economista-chefe do banco Fator.

Para o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, o que está ocorrendo é “autoengana­ção” coletiva.

“A visão do Bolsonaro sobre economia é zero, ele nunca teve preocupaçã­o com isso. Mas agora ele está fazendo um discurso liberal para reduzir a resistênci­a do establishm­ent econômico contra ele. É uma estratégia. O liberalism­o econômico não está no DNA dele”, afirma.

Na avaliação de Melo, os dois pré-candidatos até teriam um ponto em comum que costuma desagradar muito o mercado financeiro: “Tanto Lula quanto Bolsonaro são intervenci­onistas”, diz ele.

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Ricardo Borges - 10.ago.17/Folhapress Jair Bolsonaro (PSC-RJ), pré-candidato à Presidênci­a

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