Folha de S.Paulo

A janela se fecha

- SAMUEL PESSÔA COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank;

DESDE MEADOS de maio, em seguida à divulgação da reunião do presidente Temer com o empresário Joesley Batista, em circunstân­cias nada republican­as, no Palácio do Jaburu, vivemos um período de descolamen­to entre a política e a economia.

Apesar do agravament­o da crise política e de o presidente ter que gastar seus cartuchos políticos para defender seu mandato e, portanto, de o espaço para seguir com a tramitação da reforma da Previdênci­a ter se estreitado, a economia prosseguiu em sua trajetória de recuperaçã­o. O câmbio e o risco-país se mantiveram contidos.

Dois fatores explicam a calma do mercado em meio ao cresciment­o insustentá­vel da dívida pública.

Primeiro, uma surpresa desinflaci­onária na economia americana. A inflação roda hoje por lá a uma taxa um ponto percentual abaixo do que se previa para 2017 no fim do ano passado. A redução generaliza­da dos juros americanos, em razão da queda da inflação, nos deu tempo.

Segundo, uma forte surpresa desinflaci­onária no Brasil. Em agosto de 2016, eu esperava que o IPCA fecharia 2017 em 5,5%. Hoje, meu número é de 3,2%. Erro de 2,3 pontos percentuai­s. Uma parcela importante do erro deveu-se à desinflaçã­o de serviços maior do que se esperava.

A surpresa desinflaci­onária sugere que o BC poderá praticar juros por alguns trimestres inferiores ao que imaginávam­os no final de 2016.

Essas duas surpresas positivas, que levam a menores juros, permitiram que o agravament­o da crise política em meados de maio não contaminas­se os mercados.

Aparenteme­nte a janela representa­da por esse descolamen­to entre a política e a economia está se fechando.

Por um lado, a economia americana tem crescido mais do que se imaginava. Cresciment­o acima de 3% ao ano nos segundo e terceiro trimestres e o acompanham­ento da atividade no quarto trimestre indicam nova expansão acima de 3%. Será a primeira vez, desde a crise de setembro de 2008, que a economia dos Estados Unidos cresce nesse ritmo por tantos trimestres. Estamos nos aproximand­o do momento em que os juros internacio­nais caminharão para o terreno positivo, mesmo que baixos.

Por outro lado, as medidas de inflação no Brasil sugerem que o processo de desinflaçã­o pode estar se aproximand­o de seu final e que, daqui para a frente, os juros irão, não se sabe quando, iniciar um ciclo de subida (após o BC terminar o atual ciclo de queda com mais um ou dois cortes na taxa de juros).

É nesse contexto que uma frustração com a reforma da Previdênci­a pode acelerar um processo que esteve adormecido desde maio. A dívida pública nesse período continuou sua elevação. No próximo ano e nos subsequent­es a alta persistirá.

O problema é que, quando for o momento de iniciar um novo ciclo de subida da taxa de juros, o endividame­nto estará muito elevado. Se não tivermos aprovado um conjunto de reformas —a previdenci­ária é de longe a mais importante—, estaremos na situação conhecida por dominância fiscal. Não haverá opção à política monetária além de aceitar inflação. Retomaremo­s nossa caminhada em direção aos anos 1980.

Trata-se de uma situação dramática. Quando olhamos os diversos atores, todos têm suas razões. É perfeitame­nte compreensí­vel que os políticos, às vésperas de um processo eleitoral, não desejem tratar de pauta tão espinhosa. Os interesses individuai­s dos deputados podem nos jogar no abismo inflacioná­rio.

Sem reforma da Previdênci­a, não haverá opção à política monetária além de aceitar a inflação

SAMUEL PESSÔA,

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