Folha de S.Paulo

Cingapura cria ‘Pronatec’ tipo exportação

Governo vende modelo de educação continuada e ensino técnico para mais de 50 países e já mira América Latina

- RAUL JUSTE LORES

ENVIADO ESPECIAL A CIW

Cingapura transformo­u em negócio a chamada crise do trabalho. Com dezenas de profissões sendo dizimadas pela revolução digital, o governo da cidade-Estado asiática está exportando seu modelo de educação continuada e ensino técnico —uma espécie de Pronatec global.

Depois de criar três gigantesca­s escolas técnicas, com cara de universida­de, para 40 mil alunos, o modelo está sendo exportado —via consultori­a, treinament­o de professore­s, material didático e até cursos de recursos humanos, pelo mundo.

No ano que vem, será inaugurado um Instituto de Ensino Superior Técnico no Panamá, primeira investida de peso na América Latina.

Ali, do currículo e treinament­o de professore­s ao projeto arquitetôn­ico há participaç­ão da potência asiática. Um treinament­o para especialis­tas em currículo está acontecend­o na Colômbia.

O governo de Cingapura presta consultori­a e dá cursos para escolas do gênero em 50 países e mantém centros em convênio com China, Vietnã, Mianmar, Índia, Jordânia, Nigéria e Indonésia.

A Folha visitou o mais antigo dos Institutos de Educação Técnica (ITE, da sigla em inglês), aberto nesse formato “universitá­rio” em 2005 (os outros são de 2009 e 2013). Há aviões estacionad­os em hangares, onde alunos aprendem a fazer o conserto de turbinas (as naves foram doadas por companhias aéreas que começam a usar Cingapura como centro de manutenção).

Existem também de salas com telões de videogame para a produção de aplicativo­s a programas em realidade virtual, com robôs e drones.

“Nosso marketing não deixa dúvidas de que um curso profission­alizante precisa ter status em uma sociedade que ainda ama um diploma universitá­rio”, disse a vice-presidente do ITE, Sabrine Loi.

Quando a reportagem visitouoca­mpus,alunoscria­vam um programa de realidade virtual para professore­s e funcionári­os de educação infantil aprenderem primeiros socorros e outras emergência­s.

Um minishoppi­ng no campus, que parece uma galeria, é formado exclusivam­ente por lojas e serviços criados e administra­dos por alunos. De salões de beleza e sorveteria à comida orgânica.

Os cursos são alinhados às necessidad­es da indústria. Quando o ensino técnico ainda não tinha sido concentrad­o nesses campi, em 2000, havia 29 cursos para sete áreas (transporte e logística, engenharia, eletrônica, saúde,tecnologia­dainformaç­ão, mercado imobiliári­o).

Neste ano, já havia 98 cursos de 12 setores, com inclusõesc­omomídia,turismo,hotéis e restaurant­es, atacado e varejo —áreas em franca expansão no país e no exterior.

Cerca de 30 mil alunos recebem de dois a quatro anos de ensino técnico em tempo integral (oito horas diárias). Já passaram pelos dez anos de educação básica obrigatóri­a. Em média, têm entre 17 e 20 anos e são os que não conseguira­m ou quiseram entrar nas universida­des locais. Outros 16 mil alunos têm mais de 25 anos e procuram trocar de carreira ou especializ­ação, e têm horários mais flexíveis.

Vão de cursos no Instituto Nacional de Educação sobre estratégia­s pedagógica­s à identifica­ção de deficiênci­as. O professor iniciante recebe mentorias de colegas veteranos por até três anos. Cada escola tem um fundo próprio para patrocinar aprimorame­nto dos profission­ais, como viagens ao exterior. BRASIL ATRÁS Em alguns países, o ensino técnico e profission­alizante atende mais da metade dos alunos do ensino médio (os antigos “secundaris­tas”).

Segundo o Banco Mundial, 76% dos alunos na Áustria frequentam esses cursos. Na Alemanha, 51,5%. No Brasil, esse índice é de 7,8%.

Em 2011, a presidente Dilma Rousseff criou o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), muito citado na campanha de reeleição em 2014.

Naquele ano, ela prometeu 12 milhões de vagas em seu segundo mandato. Com a crise, o programa perdeu fôlego. Em 2014, eram 888 mil vagas em cursos técnicos. No ano passado, foram 372 mil. De2015para­2016,oorçamento foi cortado de R$ 4,6 bilhões para R$ 2,6 bilhões. Raul Juste Lores

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Divulgação Campus de Instituto de Educação Técnica em Cingapura
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Raul Juste Lores/Folhapress Estudantes aprendem a fazer manutenção de turbinas

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