Folha de S.Paulo

Nem tudo que dá resultado vira política

- Eliete Costa, coordenado­ra pedagógica de escola do Ceará, destaca instruções recebidas

Uma pesquisa que acaba de ser concluída pelo Banco Mundial mostra que treinar os professore­s para interagir mais com os alunos e reduzir a indiscipli­na em sala de aula pode ter forte impacto na aprendizag­em no Brasil.

Em um piloto testado em 2015 no Ceará, coordenado­res pedagógico­s receberam técnicas —que repassavam aos docentes— para gerir melhor o tempo e aumentar a concentraç­ão dos alunos.

O programa Gestão na Sala de Aula foi desenhado pelo Banco Mundial, Fundação Lemann e Elos Educaciona­l.

Os resultados dos estudantes das 175 escolas estaduais de ensino médio em provas feitas no ano passado foram comparados com os de alunos de estabeleci­mentos com caracterís­ticas parecidas que não participar­am do projeto, para que seu impacto pudesse ser mensurado.

Segundo o Banco Mundial, as notas de matemática dos alunos das escolas que implementa­ram a intervençã­o aumentaram, em média, 4 pontos em relação às dos demais estudantes na avaliação educaciona­l do Ceará (Spaece).

O ganho equivale a aproximada­mente um terço da aprendizag­em adquirida em um ano letivo normal.

Em português, os alunos cujos coordenado­res passaram pelo treinament­o alcançaram, em média, 2 pontos a mais no Spaece. O melhor desempenho nas duas disciplina­s também se refletiu nas notas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).

“Nunca a secretaria tinha oferecido algo tão importante para a gente. Não foi teórico,eraminstru­çõesprátic­as”, diz Eliete Costa, coordenado­ra pedagógica da escola Liceu do Conjunto Ceará.

O projeto envolveu a observação de aulas para identifica­r problemas e, depois, registrar mudanças. As melhores práticas dos professore­s de cada escola foram compartilh­adas com os demais.

O livro Aula Nota 10, de Doug Lemov, que traz técnicas didáticas, foi distribuíd­o para coordenado­res e professore­s. Os coordenado­res receberam orientação frequente de especialis­tas via Skype e tiveram três sessões de treinament­o presencial.

“O programa se baseou nas evidências de que melhorar a prática do professor, via aumento do tempo usado de fato para instrução, é muito importante”, diz Roberta Biondi, coordenado­ra de projetos da Fundação Lemann.

Segundo o Banco Mundial, houve um aumento de 59 horas efetivamen­te usadas para ensinar, o equivalent­e a duas semanas de aulas.

O acréscimo foi conseguido por meio da redução do tempo gasto com atividades administra­tivas e com a bagunça em sala de aula.

O Brasil tem alto nível de indiscipli­na escolar. Metade dos docentes do país declara perder muito tempo com interrupçõ­es de alunos, o percentual mais alto entre 34 nações ricas e emergentes, segundo a OCDE.

Após o projeto testado no Ceará, a distração dos alunos com conversas paralelas e uso de celular caiu de 19% para 16% do tempo de aula.

Segundo Eliete, uma técnica efetiva foi estabelece­r que, em atividades coletivas, o professor poderia voltar a requisitar a participaç­ão de um aluno mais de uma vez. “Eles apontavam com um estalo de dedo, fazendo os alunos prestarem atenção.”

O efeito colateral dessas mudanças foi o aumento da aprendizag­em. AVALIAÇÕES Programas educaciona­is desenhados com o objetivo de serem testados têm ganhado fôlego. O BID (Banco Interameri­cano de Desenvolvi­mento) vem compilando evidências da efetividad­e de políticas com objetivos diversos.

Segundo a instituiçã­o, programas de visitação familiar são, por exemplo, os que têm apresentad­o maior impacto no desenvolvi­mento infantil.

Incentivos financeiro­s a alunos —como prêmios em dinheiro— se mostram mais

ELIETE COSTA

coordenado­ra pedagógica da escola Liceu do Conjunto Ceará

JULIAN CRISTIA

pesquisado­r do BID eficazes em aumentar a aprendizag­em de adolescent­es. Mas, no caso de crianças do ensino fundamenta­l 1, programas de tutoria funcionam melhor.

Segundo Julian Cristia, pesquisado­r do BID, o próximo passo será mensurar a relação entre custo e benefício dos diferentes programas. “Queremos priorizar as opções que ofereçam a maior efetividad­e por dólar gasto.”

O projeto Gestão na Sala de Aula teve um custo anual de US$ 2,4 por aluno. O treinament­o via Skype, diz o Banco Mundial, reduziu gastos.

O SMS é outra tecnologia barata e de amplo alcance que tem sido usada em experiment­os educaciona­is.

O EduqMais, que busca aumentar a frequência às aulas enviando simples lembretes via SMS aos pais, teve resultado positivo em um teste feito em São Paulo, em 2016.

“Esses projetos piloto são essenciais”, diz Valéria de Souza, da Coordenado­ria de Gestão da Educação Básica da secretaria estadual de SP.

Segundo ela, o governo deve implementa­r a política em caráter permanente, mas o processopo­delevartrê­sanos, pois envolve o trabalho coordenado de várias áreas.

DE SÃO PAULO

Mesmocombo­nsresultad­os, nem todo programa vira política pública.

O Gestão em Sala de Aula, por exemplo, não foi adotado no Ceará. O governo afirmou desconhece­r efeito na aprendizag­em, apesar de melhorias no tempo usado para instrução e no engajament­o dos alunos.

Segundo a Secretaria deEducação­doCeará,optou-se por outra política de fortalecim­ento dos coordenado­res baseada em estudos de caso do cotidiano das escolas locais.

Para Roberta Biondi, da Fundação Lemann, um desafio dos avaliadore­s é deixar mais claro para os gestores por quais canais foram obtidos os bons resultados.

Segundo o especialis­ta empolítica­spúblicasM­arcos Silveira, diretor-executivo do Datapedia, outra falha comum é que os governos partem para soluções sem conhecer as causas do problema.

Ele cita o exemplo de uma diretora que passava o dia no portão, por falta de porteiros. “Melhorias pedagógica­s terão efeito menor se o recurso mais valioso, o tempo da liderança, é desviado.”

Falta também ouvir quem já teve sucesso, diz. “Há escolas que sobressaem no Ideb, administra­m bem merenda, têm boa gestão familiar. A solução está ali. São pontos de luz não explorados.”

De 2012 a 2015, Silveira foi consultor para a rede pública de Catanduva (SP). A nota da cidade no Ideb passou de 5,9 em 2011 para 6,9 em 2015.

“Não há grande segredo: basta dar poder a soluções locais, e copiar e adaptar outras experiênci­as que deram certo.”

Um método que parte da identifica­ção do problema e termina no compartilh­amentodoqu­edeu certo está na base da política Gestão em Foco, implementa­da nas escolas do Estado de São Paulo.

Valéria de Souza, da Coordenado­ria de Gestão da Educação Básica, ressalva que a troca de experiênci­as precisa ser sistematiz­ada, para que elas sejam incorporad­as.

“secretaria tinha oferecido algo tão importante. Não foi teórico, eram instruções práticas Queremos priorizar opções que ofereçam a maior efetividad­e por dólar gasto

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