Para médicas, veto deixou de fazer sentido e se tornou discriminatório
DE BRASÍLIA
Alvo de polêmica no Supremo Tribunal Federal, onde passa por análise, a restrição à doação de sangue por homens gays também não encontra consenso entre especialistas ouvidos pela Folha.
No centro da discussão, estão duas portarias do Ministério da Saúde e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que consideram “homens que fazem sexo com homens” inaptos a doarem por até 12 meses após as relações sexuais. Quem questionou as medidas foi o PSB.
De um lado, parte dos médicos avalia que o Brasil já possui testes eficazes para identificar infecções no sangue —o que não ocorria na época em que a medida foi adotada. Dessa forma, manter a restrição seria uma medida discriminatória.
De outro, especialistas acreditam que um risco ainda que residual de transmissão de HIV, cuja taxa é maior entre esse grupo, não deve ser desconsiderado. O alto custo da ampliação da oferta de testes também seria um impasse, afirmam. ALTERNATIVA Proposta alternativa, como a defendida no STF por Alexandre de Moraes, não seria plausível, segundo eles.
Na última semana, o ministro sugeriu que o sangue resultado da doação por gays fosse “devidamente identificado, separado, armazenado e submetido a testes sorológicos somente após o período da janela imunológica”.
O termo se refere ao intervalo entre a suspeita de infecção pelo vírus e sua possível detecção em exames. Para verificar uma possível contaminação, porém, seria necessária nova coleta de sangue, dizem os médicos.
Além de Moraes, que abriu uma divergência, outros quatro ministros já votaram —todos a favor da derrubada das portarias. Antes do julgamento ser suspenso, ao menos três deles, no entanto, indicaram tendência a seguir caminho diverso, com questionamentos sobre os impactos da mudança.
Para os especialistas, não se trata de decisão fácil. “Graças a Deus está na mão do Supremo e não na minha”, afirma o infectologista e secretário de Saúde do Estado de São Paulo, David Uip.
DE BRASÍLIA
Para a médica Valdiléia Veloso, pesquisadora do Instituto Nacional de Infectologia da Fiocruz, a restrição à doação de sangue por gays já fez sentido no passado, quando o Brasil vivia o avanço do HIV e havia limitações na oferta de testes capazes de identificar infecções —o que não ocorre hoje.
“Aqualidadedosangueno Brasil hoje é alta e temos tecnologia para detectar doençasinfecciosasquenãotínhamos no passado. Hoje se detecta até o material genético do HIV, de hepatite e outras infecções que podem ser transmitidas pelo sangue.”
Ela defende que o cuidado para evitar a exposição a doenças sexualmente transmissíveis por transfusões deve ser um “cuidado geral”, e não relacionado a um grupo.
“Limitar a doação por um grupo de pessoas já não faz sentidoeterminaatuandocomo forma de discriminação.”
Para ela, o argumento de incidência maior de HIV entre gays não se justifica. “É justamente pela epidemia [de Aids] ser concentrada que se colocou o teste NAT na rotina”, diz, sobre o teste usado pelo Ministério da Saúde que diminuiu a janela imunológica para 12 dias — para outros testes esse período era de um mês.
A médica defende, contudo, que a entrevista feita durante a etapa de triagem do sangue doado seja feita com cautela para verificar casos de comportamento de risco.
Para Magda Almeida, do grupo de trabalho de gênero e sexualidade do SBMFC (Sociedade Brasileira de MedicinadeFamíliaeComunidade), aportariaatualaumentaoestigma contra gays. “Esse dado não é valorizado quando são feitas as perguntas a mulheres, porque mulheres que fazem sexo anal também podem aumentar o risco”, diz.
A regra também desconsidera homossexual com parceiro fixo. “Estamos levando um risco que tem que ser avaliado individualmente para um risco coletivo.”
“Os testes têm a mesma sensibilidade para qualquer grupo. Isso não depende da orientação sexual. Não é a questão de ser gay ou não, mas de ter comportamento de risco e fazer sexo sem preservativo”, diz Magda. (NC)