Bye bye cerrado
EIS AQUI uma boa questão para o próximo Enem: qual é o bioma mais ameaçado do Brasil?
Não é a mata atlântica, porque essa já foi para o saco, com meros 8,5% da floresta que deu nome ao país (pau-brasil). Tampouco a Amazônia, porque lá ainda estão de pé 80% da vegetação original.
A ameaça maior paira sobre o cerrado. A savana brasileira, que se espraia pelo centro do país e ocupa um quarto de seu território, imortalizada nas páginas de “Grande Sertão: Veredas”, sucumbe mais rápido ao desmatamento que a tão cantada floresta amazônica.
De 2000 a 2015, o cerrado perdeu 236 mil quilômetros quadrados (km2) de cobertura vegetal, uma área quase do tamanho do Estado de São Paulo (248 mil km2). Em 15 anos, desapareceram 12% do bioma, para dar lugar a soja, milho, algodão e bois.
No mesmo período, a Amazônia viu sacrificada ao corte raso uma superfície menor, 208 mil km2. O dado está num boletim do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) divulgado em inglês em Bonn, na Alemanha, na reunião sobre mudança do clima que vai até sexta (17).
Por falar em clima, toda essa devastação no cerrado, em uma década e meia, lançou na atmosfera mais de 8 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2), o principal gás do efeito estufa. Isso corresponde a mais que o triplo das emissões brasileiras de carbono em 2016.
Quando se fala em desmatamento no Brasil, aqui e lá fora todos pensam logo na floresta amazônica. Mas note bem: ela tem o dobro do tamanho do cerrado, e ainda assim perdeu menos matas que o seu primo pobre ao sul e a leste.
Pobre, vírgula. O cerrado conta com mais de 4.800 espécies de plantas e animais que só existem ali. Se o bioma virar fumaça, elas desaparecerão com ele.
Até quem não dá a mínima para biodiversidade tem motivos para preocupar-se com isso —por exemplo, seus efeitos na conta de luz e nas torneiras. O cerrado cobre boa parte de 8 das 12 principais bacias hidrográficas do país e abriga algumas de suas maiores usinas hidrelétricas.
Sem mata, a água da chuva escorre mais rápido sobre o solo, deixando de infiltrar-se terra adentro para alimentar as nascentes e regularizar o fluxo dos rios. Estes se assoreiam e se tornam origem das enchentes quando há chuvas torrenciais.
A ausência de florestas também prejudica o ciclo hidrológico na atmosfera, e não só em terra. Diminui a evapotranspiração, as temperaturas aumentam, o ar fica mais seco e poeirento.
Quem mora em Brasília sabe do que se trata. A capital federal padeceu seis meses sem chuvas, ou muito abaixo da média, e seu reservatório principal de abastecimento da população, Descoberto (não se perca pelo nome), secou.
Resultado: racionamento, que por lá também foi chamado de “rodízio”.
Um incêndio destruiu 650 km2 do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, 26% de sua área. Por mais que o fogo seja um elemento sempre presente na paisagem de savana, esse foi longe demais —provavelmente porque a vegetação estava seca demais.
Enquanto isso, a agropecuária segue avançando sobre o cerrado, inclusive sobre terras sem aptidão agrícola (solos pobres e chuva insuficiente), em especial no tal de Matopiba.
Ninguém liga para isso em Brasília. Bye bye cerrado.
De 2000 a 2015, bioma perdeu 236 mil km2, área comparável ao tamanho do Estado de São Paulo