Folha de S.Paulo

Refém do clube da fumaça

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NA CONTRAMÃO dos debates da COP-23 que acontecem nesta semana em Bonn, na Alemanha, o Brasil —que elevou em 9% suas emissões de gases estufa no ano passado— tem se distanciad­o progressiv­amente da mobilizaçã­o internacio­nal para combater o aqueciment­o global a partir das metas assumidas no Acordo de Paris. Um dos exemplos mais contundent­es disso é o regime tributário especial proposto pelo governo Temer para beneficiar empresas ligadas a exploração, desenvolvi­mento e produção de petróleo, gás e outros hidrocarbo­netos fluidos.

Na prática, a medida provisória 795 —que está para ser votada na Câmara dos Deputados— pretende estimular a participaç­ão de empresas no leilão de blocos das camadas pré-sal e pós-sal (realizado nos meses de setembro e outubro) a um custo elevadíssi­mo para o país. A renúncia fiscal estimada (apenas para os campos de pré-sal) seria de aproximada­mente R$ 40 bilhões por ano ou R$ 1 trilhão em 25 anos, com a suspensão do pagamento do imposto de importação, do IPI (Imposto sobre Produtos Industrial­izados) e da contribuiç­ão para o PIS/Cofins, além da redução drástica da CSLL (Contribuiç­ão Social sobre o Lucro Líquido) e do Imposto de Renda.

O pacote de bondades para os combustíve­is fósseis —com renúncias fiscais nababescas— justificou também a publicação de um decreto da Presidênci­a da República prorrogand­o de 2020 para 2040 o Repetro, regime especial que suspende a cobrança de tributos federais para jazidas de petróleo e gás. As benesses aos combustíve­is fósseis vão além e alcançam a privatizaç­ão da Eletrobras. O governo propôs dias atrás que os recursos obtidos com a venda da estatal alimentem um fundo que compense a elevação dos custos em períodos de estiagem, quando o nível baixo dos reservatór­ios justifica o acionament­o das termelétri­cas, mais caras e poluentes.

Todas essas medidas —tomadas à revelia de qualquer debate— ignoram o potencial único do Brasil de tornar-se uma potência eólica e solar, com aproveitam­ento inteligent­e da biomassa e de outras fontes limpas e renováveis de energia que tornariam possível o cumpriment­o da meta assumida no Acordo do Clima de reduzir em 43% as emissões de gases estufa até 2030.

Mais do que nunca, a “maldição do petróleo” (e dos demais combustíve­is fósseis) assombra o destino do Brasil com os monumentai­s subsídios à indústria do atraso, ignorando o potencial que temos para liderar o mundo numa economia de baixo carbono a partir das vantagens competitiv­as que só nós temos. Sétimo maior poluidor do planeta, o Brasil parece refém do clube da fumaça. Ainda há tempo de impedir esses absurdos.

A maldição do petróleo assombra o destino do Brasil com os subsídios à indústria do atraso

AMÉRICO JOSÉ escreve na próxima edição

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