Folha de S.Paulo

Os jardins da Califórnia

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para minha namorada”. E a menina estava realmente lá enquanto Arthur contava as notas de cem dólares, o gordinho segurando a mão dela de uma maneira que podia tanto ser felicidade como desespero, os três de pé em uma rua vazia do centro de Los Angeles, perto demais do Skid Row, onde viciados em metanfetam­ina viviam em barracas do tipo iglu.

Não consegue pensar em Los Angelesago­radeumafor­mamuito nítida, ou no Brasil ou em seu pai ou em Elisa, porque está naquele outro lugar, no píer de Point Arena, no condado de Mendocino, e esse lugar engoliu todos os outros. Continua parado na área de estacionam­ento. Na sua frente há uma pequena praia entre falésias monstruosa­s, encaixada através de processos geológicos sobre os quais ele não sabe coisa alguma. As navalhadas secas no rochedo ao menos deixam óbvio que nada aconteceu com tranquilid­ade. A Terra não dança, ele formula, fazendo uma careta para si mesmo como se já estivesse tomado por certo espírito california­no que o seu ceticismo quer desesperad­amente rejeitar. A Terra expele, traga, convulsion­a. Às vezes dá certo, outras vezes não.

Faltam quinze minutos para as três, o dia sem uma única nuvem, homens pescando no píer, um cara só de cueca vestindo sua roupa de neoprene. Um latino em uma picape vermelha desbotada estaciona ao lado do Grand Marquis, abre uma lata de alguma bebida doce demais e fica dentro do carro com os olhos vidrados no oceano. Essa é uma cidade de menos de quinhentos habitantes. As pesso- as se divertem com o que têm. Vão no fim do dia até a rua principal e escolhem um dos lugares que ainda não fecharam as portas. Quase toda a parte sul de Point Arena está abandonada, como se os estabeleci­mentos esperassem todos juntos a chegada de um milagre econômico ou uma súbita disparada no número de turistas. Se o Napa Valley e o condado de Sonoma conseguem atrair tanta gente, por que eles não conseguiri­am? A imobiliári­a East Ridge com folhas de compensado nas aberturas. A cantina italiana Gianinni’s com um cartaz de “vende-se” ao lado de um retrato a óleo de Jesus Cristo. O centro comunitári­o da terceira idade. O Sea Shell Inn com os quartos sem mobília e as duas baleias grafitadas na parede.

Arthur tem um encontro às três horas. Não consegue se sentir exatamente confortáve­l quando está a ponto de encontrar alguém que nunca viu antes. Tamara arranjou tudo para ele. Ela disse: “Tem uma pessoa que acho que pode te ajudar”. Ser ajudado também não é algo que o deixa à vontade, de maneira que Arthur gostaria de pensar não nesses termos, ele como a parte que implora para aprender, mas talvez em uma troca, isso, uma troca justa e objetiva, embora ele não faça a menor ideia do que teria a oferecer a um cara de setenta anos chamado Dusk.

Ri um pouco do nome ao descer do carro. Crepúsculo. Totalmente california­no. Ele se sente então parte daquele cenário porque o calor do sol de repente toca seus braços e o vento está soprando e fazendo misérias com os cabelos de duas garotas que tiram fotografia­s com um celular. As duas olham para ele enquanto Arthur caminha rumo à única construção da pequena praia, tirando a casinha que ele acredita ser uma escola náutica e um prédio abandonado revestido de chapas metálicas, lá atrás, perto da estrada. Chega na estrutura comprida de madeira com alguns estabeleci­mentos comerciais, dos quais dois ou três estão para alugar. Enquanto acessa a escada externa e sobe até o Chowder House, pensa se Dusk vai se parecer com um hippie, um bandido ou uma mistura dos dois. Número três. Aquele é o condado de Mendocino, afinal, e todo o país sabe o que isso significa.

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