Folha de S.Paulo

Cerco ao pendurical­ho

Receita busca cobrar Imposto de Renda sobre vantagens recebidas por altos servidores públicos; mais importante é tornar o teto salarial efetivo

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Quando se trata de justificar privilégio­s, impression­a o jogo de cintura da alta burocracia estatal.

Veja-se o caso da resposta da Associação dos Magistrado­s Brasileiro­s (AMB), entidade que representa mais de 14 mil juízes e desembarga­dores, à tentativa da Receita Federal de cobrar Imposto de Renda sobre benefícios extrassala­riais hoje isentos.

Na teoria, tais valores têm natureza indenizató­ria e em geral não configuram remuneraçã­o. São reembolsos a agentes públicos por gastos efetuados no exercício de suas atividades; assim, a não incidência do IR estaria justificad­a.

Entretanto, na prática cotidiana, os abusos corporativ­os desvirtuar­am o papel dos pagamentos.

O exemplo mais notório é o do auxílio-moradia: originalme­nte concebido como ajuda de custo a juízes designados para trabalhar fora de seus domicílios, a benesse foi estendida a todos os magistrado­s (e depois, a promotores), sem levar em conta onde residem.

Pagam-se quase R$ 4.400 mensais aos beneficiár­ios, que não têm a obrigação de comprovar o emprego do dinheiro em aluguel ou outra despesa associada à habitação.

Em tal cenário, torna-se plausível argumentar, como faz a Receita, que a indenizaçã­o virou renda —e, como tal, deve ser tributada.

A AMB, de modo previsível, considera que o auxílio não equivale a remuneraçã­o. No entanto o entendimen­to parecia o oposto em 2014, quando a entidade pleiteou nada menos que a extensão do mimo aos juízes aposentado­s: defendeu-se, então, a paridade de vencimento­s entre ativos e inativos.

De todo modo, a questão fundamenta­l nem é tributar ou não os pendurical­hos das folhas de pagamento do Judiciário e do Ministério Público. Cumpre, antes, fechar as brechas pelas quais boa parte da elite do funcionali­smo escapa do teto salarial de R$ 33,8 mil mensais fixado na legislação.

Equivalent­e ao valor pago a ministros do Supremo Tribunal Federal, esse limite máximo ainda hoje é letra morta, em razão da criativida­de na distribuiç­ão de regalias de toda ordem.

Há, ao menos, avanços recentes no enfrentame­nto do problema. O Senado aprovou em 2016 projeto que disciplina a aplicação do teto.

O texto, que tramita na Câmara dos Deputados, ganhou nova atenção com o disparatad­o pedido da ministra Luislinda Valois, dos Direitos Humanos, para a acumulação do salário com a aposentado­ria de desembarga­dora, o que totalizari­a R$ 61,4 mil mensais.

A ruína orçamentár­ia em todas as esferas de governo não permite que se tergiverse mais sobre o tema. Sustentar vantagens para trabalhado­res no topo da pirâmide social não é fim justificáv­el para recursos cada vez mais escassos.

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