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Ação de delator para gravar suspeito fracassa, e procuradores da Lava Jato querem que ele pague uma multa maior pelo resultado ‘não efetivo’
DE SÃO PAULO
O delator da Lava Jato João Bernardi Filho seguiu todo o roteiro sugerido pela polícia: instalou gravadores no próprio corpo, marcou um encontro com seu alvo em um local público e direcionou a conversa para o pagamento de propina.
A operação, porém, não funcionou, e agora o colaborador pode ter que pagar uma multa maior do que o mínimo estipulado em seu acordo com a Justiça.
Engenheiro, Bernardi, 70, trabalhava no Brasil para a empresa italiana Saipem, fornecedora da Petrobras, e passou quatro meses preso em 2015 sob suspeita de pagar propina ao ex-diretor da estatal Renato Duque, seu antigo amigo.
Saiu da cadeia ao firmar um acordo de colaboração. Uma cláusula sigilosa, só tornada pública neste ano, dizia que ele seria colocado em liberdade “com o fim exclusivo de participar de ação controlada” sobre a atuação da Saipem no país.
Ações controladas são operações policiais em que um criminoso colaborador aceita coletar provas, tendo supervisão da polícia. A mais famosa no país foi a entrega de uma mala com R$ 500 mil ao então deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), ex-auxiliar do presidente Michel Temer, feita na delação da JBS e filmada por policiais federais.
No caso de Bernardi, o acordo afirmava que ele iria providenciar “escutas ambientais” para obter provas de “promessa de pagamento de propina” ou até o próprio recebimento dos valores.
O compromisso dizia ainda que, em caso de pagamento, ele comunicaria os investigadores imediatamente e que seriam usados como critérios para fixar a multa e a pena o resultado e o empenho do delator na empreitada.
O engenheiro responde em uma ação penal ainda não sentenciada pelos crimes de corrupção ativa e lavagem.
Feito o acordo, Bernardi foi a campo e programou um encontro com Luiz Mendes de Almeida Junior, apontado por ele como um emissário da Saipem, que atuaria com contatos com altos dirigentes da companhia italiana.
Pelos documentos da Justiça, o objetivo da conversa seria discutir um saldo de propina da empresa com Renato Duque. Seu depoimento de delação falava em uma dívida de US$ 12 milhões.
A reunião foi marcada para uma cafeteria em um shopping no Rio, no dia 13 de junho de 2016.
Antes, uma equipe de po- liciais foi até a casa do delator, orientou-o a se manter o mais tranquilo possível e instalou os equipamentos de gravação em seu corpo. As provas obtidas, porém, não empolgaram as autoridades.
“Aparentemente, os executivos italianos da empresa Saipem e o próprio Mendes Junior mantiveram-se reticentes em atender aos contatos do colaborador”, diz documento do Ministério Público.
Luiz Mendes de Almeida Junior, em uma ocasião, disse ao delator que não havia “novidades”.
Um fator pode ter contribuído para o fracasso da iniciativa: o acordo de delação de Bernardi, incluindo parte de seus depoimentos, já era público desde outubro de 2015.
Nesta semana, os procuradores da Lava Jato afirmaram em ofício que a colaboração do engenheiro “não foi efetiva”. A multa mínima sugerida para o engenheiro na época da delação era de R$ 1 milhão e a máxima, R$ 3 milhões. Diante da ação controlada frustrada, a força-tarefa pediu o valor de R$ 2 milhões, levando em conta o empenho dele na ação controlada, mas, considerando “a ausência de resultado efetivo”.
Caberá ao juiz Sergio Moro decidir o desfecho do caso.
Anteriormente, o engenheiro se tornara conhecido por outro episódio inusitado: ele foi assaltado no Rio a caminho de uma entrega de propina, em 2011, e perdeu uma mala com R$ 100 mil. OUTRO LADO A defesa de Bernardi não comenta o assunto.
Luiz Mendes de Almeida Junior diz que não ter relação com a Saipem e nega “peremptoriamente” as afirmações feitas pelo delator.
A Saipem nega que tenha feito qualquer pagamento ilegal e diz que isso seria incompatível com o sistema de controle da empresa. Também afirma que as licitações da Petrobras eram regulares e que não tem conhecimento de relações com Almeida Junior.
DE BRASÍLIA
A presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministra Cármen Lúcia, incluiu na pauta do dia 23 de novembro uma ação que discute o alcance do foro privilegiado na corte para políticos.
Cármen Lúcia também incluiu na pauta um pedido de habeas corpus (liberdade provisória) do ex-ministro petista Antonio Palocci, preso desde setembro de 2016 no Paraná pela Lava Jato. Ele foi condenado em junho deste ano.
Com essa ação, o tribunal deve começar a discutir o prazo das prisões temporárias —reclamação recorrente dos alvos da Lava Jato.
A iniciativa de pautar os casos apenas nesta segunda-feira (13) surpreendeu integrantes do tribunal. Cármen Lúcia divulgou a pauta de novembro no fim de outubro e as ações não estavam no calendário.
Na avaliação de magistrados ouvidos pela reportagem, a inclusão do foro na pauta ajuda a melhorar a imagem da presidente junto à sociedade. Segundo o gabinete da presidente, ela faz a pauta “de acordo com o interesse da sociedade e não pensando em sua imagem”.
A ação começou a ser analisada em 31 de maio deste ano, mas foi interrompida por um pedido de vista feito por Alexandre de Moraes.
Relator do caso, Luís Roberto Barroso votou pela restrição do foro para políticos acusados de crimes cometidos no exercício do mandato e relacionados a ele. O entendimento foi seguido por Marco Aurélio, Rosa Weber e Cármen Lúcia.