Folha de S.Paulo

ENTREVISTA ‘Adultos’ não foram capazes de domar o presidente Trump

PARA ANALISTA, PRESIDENTE FRUSTRA AQUELES QUE ESPERAVAM DELE MODERAÇÃO NO GOVERNO

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Folha - Em uma entrevista recente, Donald Trump disse que “no fim, o único que importa sou eu”. O que o sr. pensa quando ouve o presidente dos EUA falando isso?

Charles Kupchan - Queira Trump ou não, ele mora em um país construído para garantir que ninguém tenha poder incontrolá­vel. Os Pais Fundadores [responsáve­is pela independên­cia e pela Constituiç­ão] disseram “o presidente pode fazer isso, os tribunais farão isso, o Legislativ­o fará isso”. E temos Trump dizendo “o único que importa sou eu”. Isso é muito não americano.

Acho que muitos de nós esperavam que Trump iria ficar moderado, que ele em algum momento viria para o centro do espectro político.

Pensamos que os “adultos” chegariam nele. Tillerson, Mattis, McMaster, alguns dos que são considerad­os mais profission­ais, eles seriam capazes de convencê-lo a acabar com o extremismo. Bem, isso não está funcionand­o.

Outra esperança que tinham era que Trump não fosse realmente um nacionalis­ta e populista, que ele fosse controlado por Stephen Bannon, Sebastian Gorka e outras figuras periférica­s [na política].

Bem, Gorka se foi, Bannon se foi, mas Trump ainda é Trump. Ele ainda faz coisas que são racistas, populistas, nacionalis­tas. No fim, ele está certo quando diz que “tudo que importa sou eu”, porque os “adultos” não foram capazes de domá-lo, e o populismo não vem de Bannon ou outra pessoa, vem de Trump. Os “adultos” na Casa Branca eram a última esperança para controlar Trump?

Não quero soar como se dissesse que os “adultos” não importam, eles importam. [John] Kelly, o chefe de gabinete, trouxe para a Casa Branca um aparato funcional.

Também acho positivo o Departamen­to da Defesa. Mattis tem a confiança do presidente, do Pentágono e dos militares. Mas eles não são capazes de controlar Trump.

Outra coisa é que o Partido Republican­o está derretendo. Aqueles que consideram­os conservado­res reais estão desistindo [de concorrer à reeleição]. Mesmo eles não são capazes de ganhar o apoio dos ativistas [que elegeram Trump], que se tornaram uma insurgênci­a populista.

Trump sabe disso. Quando decide brigar com jogadores da NFL [a liga de futebol americano] que se ajoelham [ao cantar o hino] ou entrar em uma guerra retórica com a mulher de um soldado morto na África, ele joga para seus fãs, que amam essas coisas.

É a marca política dele, isso o elegeu e é sua única esperança, porque ele já perdeu a maioria do resto do país. Você junta essas duas coisas, e isso me diz que os próximos três anos serão instáveis. Mas, honestamen­te, o que é pior? Mais três anos de Trump ou uma crise constituci­onal em que o país entra em processo de impeachmen­t? Não sei. Trump disse recentemen­te que não sabe até quando Rex Tillerson fica no cargo de secretário de Estado. O que deu errado nessa relação?

Algo deu errado. No governo [do antecessor democrata, Barack] Obama, por exemplo, havia uma estrutura para elaborar políticas, comissões até chegar ao presidente. O sistema hoje tornou-se personalis­ta, ninguém sabe quem está fazendo a política ou tomando as decisões. Mas sente-se que a relação dele com Tillerson não é ótima, houve relatos de insultos entre eles. O sr. já afirmou que Trump vê os países como “prédios de apartament­os”. Se o inquilino paga o aluguel em dia, tudo bem; se não, há um problema. Há perigos nessa visão global?

Ele pensa que vivemos em um mundo no qual vigora o “cada país por si”. Se eu estou bem, você está mal. Se você está bem, eu estou mal.

E essa foi a forma como o mundo funcionou por muito tempo. Durante grande parte da história, vivemos em um mundo que era sangrento e competitiv­o, não havia o que chamamos de regras baseadas na ordem internacio­nal.

Acho muito preocupant­e que Trump pareça querer nos levar de volta para aquele mundo. Ele não entende que nossa relação com a Alemanha, por exemplo, é de valores comuns. Para eles, trata-se de quantos carros a Alemanha vendeu para nós versus quantos nós vendemos para eles. Espero que ele não seja bemsucedid­o, pois, caso contrário, nós todos vamos nos arrepender de termos regredido na história.

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