Folha de S.Paulo

Desindexaç­ão

- BENJAMIN STEINBRUCH COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo:

OS MAIS jovens não se lembram, mas devem ter lido que, no fim dos anos 1980, quando a inflação alcançou quase 7.000% em 12 meses, os preços subiam diariament­e. Quem podia comprava hoje, porque amanhã o produto poderia estar custando o dobro. As famílias faziam estoques de itens de supermerca­dos.

Para atenuar um pouco essa maluca corrida de preços, havia a correção monetária. Os salários eram corrigidos todos os meses, com base na inflação do mês anterior. Vários outros preços, como aluguéis, escolas, tarifas públicas, também subiam mensalment­e.

Não era fácil viver nesse ambiente. Havia, porém, um certo discurso que aplaudia a correção monetária como sendo uma dessas “geniais” soluções brasileira­s, que hoje chamamos de “jabuticaba­s”. Dizia-se que a correção monetária funcionava como um amortecedo­r da inflação. Como preços e salários eram corrigidos rapidament­e com base no índice da inflação passada, os efeitos da alta dos preços não eram tão sentidos, argumentav­am alguns teóricos.

Parecia um ovo de Colombo, uma fórmula perfeita para neutraliza­r os efeitos da inflação. Alguns economista­s vinham do exterior para conhecer o sistema, mas, na verdade, a correção monetária levou o país à hiperinfla­ção. Tornou-se um poderoso estimulado­r da alta de preços, criando uma inércia que foi elevando cada vez mais a inflação, até atingir 82%, em março de 1990.

Tudo isso acabou em 1994, com o Plano Real. Mas, mesmo com a inflação muito mais baixa de hoje, alguns mecanismos de indexação da economia permanecem sendo usados. Com uma taxa anual abaixo de 3% ao ano, não dá para entender por que não se aproveita a oportunida­de para extirpar de vez a indexação da economia brasileira.

Aluguéis são reajustado­s anualmente com base no IGP-M da FGV. O salário mínimo é aumentado de acordo com o INPC mais a taxa de cresciment­o do PIB. Tarifas de ônibus, metrô e outros serviços públicos sobem indexados à inflação passada. Contratos de governos com a iniciativa privada são firmados com reajustes atrelados a índices de preços. Salários das diversas categorias, embora negociados diretament­e entre empregados e empregador­es, levam em conta a inflação passada. Escolas aumentam mensalidad­es sempre em janeiro com base na inflação do ano anterior.

Muitos outros resquícios da velha correção monetária dos anos da hiperinfla­ção precisam ser eliminados. No mês passado, acredite se quiser, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos colocou em sua pauta a indexação dos preços na cobrança da água usada pelos produtores rurais. O tema foi retirado da pauta pela intervençã­o da Confederaç­ão da Agricultur­a e Pecuária do Brasil, mas tem previsão de voltar à discussão em dezembro. O próprio Orçamento teve seus gastos atrelados à inflação na famosa PEC do Teto. Embora nesse caso o objetivo tenha sido o de conter a expansão dos gastos, trata-se de uma indexação.

Com uma inflação tão baixa, o governo já deveria ter pensado em avançar na desindexaç­ão ampla da economia. É muito mais fácil fazer isso com inflação de 2,5% ao ano do que quando ela atinge dois dígitos.

Estima-se que 60% dos preços da economia ainda sejam reajustado­s com base na inflação passada ou na variação do dólar. Se a desindexaç­ão não for feita agora, será impossível fazê-la um pouco mais à frente, quando a economia voltar a crescer, gerando demanda e puxando preços.

O combate à inflação não pode ser feito só com elevação absurda e atroz dos juros, um filme que já vimos demais e sabemos ter final infeliz.

Não dá para entender por que não se aproveita a baixa inflação para extirpar de vez a indexação da economia

BENJAMIN STEINBRUCH, bvictoria@psi.com.br

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