ENTRANDO NUMA FRIA
Congelamento após a morte já é oferecido por algumas empresas no mundo, mesmo sem garantia de volta à vida
FOLHA
Para doentes terminais sem perspectiva de cura, milionários excêntricos que gostariam de viver para sempre ou sujeitos que sonham em conhecer o futuro distante, a chamada criogenia tem um apelo inegável.
Após ficar congelado por décadas ou séculos dentro de um sarcófago-freezer de alta tecnologia, o organismo dessas pessoas seria recauchutado em nível molecular, pronto para uma nova (e talvez perpétua) temporada de vida. Viagem pura?
A criogenia é o mote de “Zero K”, novo romance do premiado escritor americano Don DeLillo que tem tido grande repercussão nas redes sociais mundo afora.
Como DeLillo salientou em entrevista à Folha, a prática, ao menos em parte, já deixou de ser ficção científica —já há algumas centenas de pessoas criopreservadas por aí. O que ainda está em aberto, no entanto, é se a segunda metade do conceito —a “ressurreição”— vai funcionar.
“O primeiro ponto a observar é a diferença entre a atual criogenia para humanos e possíveis tecnologias futuras baseadas em processos naturais de criobiologia, como a hibernação observada em diversos animais”, explica o biólogo Tiago Campos Pereira, da USP de Ribeirão Preto.
“O primeiro caso ainda está no campo da especulação. Quanto ao segundo, com base nos eventos que acontecem na natureza, como aqueles em que animais retomam suas atividades sem danos após hibernarem, seria possível congelar estruturas biológicas e mantê-las viáveis após o descongelamento. Como fazer isso? Eu não tenho a resposta”, pondera o pesquisador. RARA E CARA Ao menos por enquanto, a criogenia está longe de ser um grande negócio. No mundo todo, existem apenas quatro instalações dedicadas especificamente à preservação de corpos (ou cabeças: as duas opções estão disponíveis) humanos para a posteridade: três nos Estados Unidos e uma na Rússia.
Na vida real, assim como acontece no romance “Zero K”, uma das companhias mais famosas do ramo, a Alcor, tem sua sede em Scottsdale, no deserto do Arizona —a primeira pessoa a ser “preservada” na Alcor foi o pai de um dos fundadores, em 1976. Não há perspectiva de que essas iniciativas se instalem no Brasil tão cedo.
Em geral, as pessoas que optam pelo procedimento fazem uma espécie de seguro de vida (ou de pós-vida, talvez) que cobre os custos do congelamento inicial e da preservação do corpo por um período indefinido —na prática, é como se fosse criado um fundo de investimentos em favor da empresa que presta o serviço.
Dependendo da modalidade (cabeça ou corpo inteiro) e das técnicas empregadas, o custo pode variar de US$ 30 mil a US$ 200 mil nos EUA e de US$ 12 mil a US$ 36 mil na Rússia.
Em tese, o ideal é que uma equipe ligada à empresa de criogenia esteja pronta para iniciar o processo de preservação do corpo assim que o paciente tem sua morte declarada, porque isso minimiza os danos naturais que o organismo sofre logo que o coração para de bater, como a perda de oxigenação dos órgãos (veja infográfico).
Por outro lado, há adeptos da prática que defendem que, graças às tecnologias futuras quase milagrosas que permitirão reanimar os falecidos, até procedimentos atuais relativamente toscos seriam capazes de quebrar o galho.
Entre os principais riscos da preservação em baixíssimas temperaturas (da ordem de quase 200 graus Celsius negativos) estão a formação de cristais de gelo entre as células do corpo congelado, o encolhimento que as células sofrem e a concentração elevada de sais em seu interior.
Qualquer organismo colocado no freezer sem precauções especiais tende a sofrer danos severos e irreversíveis quando sua temperatura voltar ao normal.
Para evitar isso, é comum que se adote o uso de substâncias crioprotetoras, que evitam esses danos. Existe ainda o mecanismo de vitrificação, no qual a diminuição de temperatura acontece de forma extremamente rápida e, em vez de ocorrer a formação de cristais de gelo, o resultado é uma espécie de “lí-