Artistas podem ser indenizados por propaganda exibindo grafite
Publicidade da Nissan de 2014 mostra carro à frente de pintura dos artistas Chivitz e Michau
Desembargador manda fabricante pagar R$ 30 mil por danos morais e R$ 5.000 por perdas materiais; cabe recurso
“Você não é um cachorrinho, é um lobo”. É assim que começa uma propaganda da Nissan, veiculada em 2014 em rede nacional, relacionando a necessidade da vida urbana com um modelo de veículo mais espaçoso.
Em uma das cenas, o anúncio mostra um automóvel na rua e, ao fundo, exibe um grafite dos artistas Chivitz e Minhau.
Chivitz conta à Folha que ao perceber o uso da imagem da sua obra para promover a venda do automóvel, tentou um acordo extrajudicial com a agência Lew’Lara\TBWA, responsável pela peça publicitária, e com a Nissan. Como não obteve sucesso, resolveu levar a divergência para o judiciário.
“É inevitável o crescimento da arte urbana”, diz o artista plástico. Ele argumenta que a empresa usou a imagem sem creditá-lo e sem consultá-lo. “Eu tenho o direito de não concordar [com a reprodução da sua obra na propaganda]”, afirma.
A existência do processo foi divulgada neste domingo (12) pelo colunista Ancelmo Gois, do jornal “O Globo”.
Julgado como improcedente na primeira instância, o pedido foi aceito pelo desembargador João Francisco Moreira Viegas na segunda instância.
Em seu voto, Viegas afirma reconhecer que “a arte urbana é, ainda hoje, fonte de discussões sobre os limites entre o público e privado.”
Ele continua: “Se o espaço da arte foi, por excelência, o espaço privado (museus e galerias), a chamada arte urbana deslocou a arte para o espaço público. Os limites dilu- íram-se e o privado passou a encontrar-se no público e vice-versa”.
Segundo o desembargador, “O grafite está na rua, mas ele tem autoria”. Ele julgou procedente o recurso levado à 5ª Câmara de Direito Privado.
Para o desembargador, o problema está no proveito econômico da propaganda: se a aparição tivesse sido em um filme, por exemplo, não haveria complicação.
“Caso contrário, qualquer pessoa que vá ao Monumento às Bandeiras e tira uma foto já teria que indenizar a família do Victor Brecheret”, explica Viegas, “o que não é o caso”.
Segundo o acórdão, os artistas terão que receber, cada um, R$ 30 mil por danos morais e R$ 5.000 por danos materiais. A empresa ainda pode recorrer.
Procurada pela reportagem, a agência Lew’Lara\TBWA disse que não se pronunciará sobre o caso. Já a Nissan afirmou que “o processo ainda não está encerrado e, por isso, não tem uma posição final no momento”.