Folha de S.Paulo

Vinícolas se abrem para visitas e hóspedes

Enoturista pode acompanhar a colheita, dormir em uma propriedad­e e degustar os vinhos mais famosos do mundo

- NÁDIA JUNG

Região tem mais de 300 châteaux com leitos para receber viajantes interessad­os no passo a passo da produção FOLHA,

A rotina se repete por três semanas entre o fim de setembro e o início de outubro.

Às sete da manhã, cerca de 300 homens e mulheres de diferentes nacionalid­ades tomam café da manhã e rumam em direção aos vinhedos do Château Pontet-Canet, em Paulliac, no coração de Bordeaux, para iniciar a colheita das uvas cabernet sauvignon, merlot, cabernet franc e petit verdot, que serão usadas na produção de um dos mais cobiçados vinhos tintos da atualidade (uma garrafa da safra 2015, hoje, sai por € 120, cerca de R$ 455).

Ao meio-dia, o grupo para por uma hora para almoçar e descansar antes da segunda parte da jornada, que se estende até as 17h. A ordem é colher cachos intactos e desprezar aqueles com uvas podres ou pequenas.

“A gente tem de prestar atenção”, diz Maria do Céu, portuguesa que viaja nove horas de ônibus desde o Alentejo para participar da colheita em Bordeaux. Ela recebe cerca de € 1.300 (R$ 4.953) pelas três semanas de trabalho.

As vinícolas têm dificuldad­e de contratar franceses, que reclamam do trabalho árduo. Empregam estrangeir­os, em especial da península Ibérica e do leste europeu.

Das videiras, as uvas são enviadas a uma sala de triagem sob o olhar de Alfred Tesseron, dono da propriedad­e. Nessa etapa, as frutas colhidas passam por uma mesa sobre a qual cerca de 20 homens e mulheres se debruçam para escolher as melhores.

O vinho ficará por até 20 meses em barris de madeira para ganhar complexida­de.

Geadas em abril, em Bordeaux, prejudicar­am o florescime­nto das videiras e fizeram com que produtores temessem por uma safra ruim e perdas milionária­s.

O tempo quente e seco do verão, no entanto, trouxe esperança de safra boa e de rendimento­s não muito baixos. “Devemos ter um bom ano”, diz Tesseron. Ele comanda o primeiro château de Bordeaux classifica­do a receber a certificaç­ão oficial como biodinâmic­o: significa que a produção evita pesticidas e observa o calendário lunar para o cultivo das uvas, que ganham mais força na lua cheia.

Desde 2008, a família Tesseron usa cavalos para arar o solo, evitando a compactaçã­o de terra e permitindo que as vinhas se enraízem mais.

O Château Pontet-Canet, cujas origens datam de 1725, tem ganhado a atenção dos enófilos depois que o principal crítico do mundo, o americano Robert Parker, concedeu a nota máxima ao vinho da casa da safra 2010 —custa mais de R$ 800 a garrafa.

Com os chineses liderando a demanda por vinhos da re- gião e a maior facilidade de acesso graças a uma nova linha de trem que liga Bordeaux e Paris em duas horas, as vinícolas vêm ampliando sua estrutura para oferecer visitas guiadas a interessad­os em descobrir cada passo da vinificaçã­o e receber hóspedes.

O enófilo pode acompanhar a colheita, degustar vinho, passear pelas terras e até dormir em meio a vinhedos.

Por o equivalent­e a R$ 171 você visita o Château Mouton Rothschild, um dos mais reputados, e degusta seu vinho, um dos mais famosos e caros do mundo. Outras propriedad­es menos disputadas recebem visitantes sem custo. Basta procurar o importador do vinho no Brasil e verificar se ele pode agendar a visita. VINHO E ARTE Em cinco anos, a oferta de leitos dos châteaux em Bordeaux cresceu 10% ao ano: pouco mais de 300 disponibil­izam quartos aos turistas.

O principal vinho do Château Mouton Rothschild, como dita a tradição local, é resultado de uma mescla de uvas tintas, com destaque para a cabernet sauvignon, a cabernet franc e a merlot.

Em 2006, em um leilão nos EUA, 12 garrafas da safra 1945, considerad­a uma das melhores da história em Bordeaux, foram vendidas por cerca de 1 milhão de reais.

Desde aquela data, quando celebrou a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial com um “V” de vitória estampado na garrafa, a vinícola contrata a cada safra um artista para ilustrar seus rótulos. Salvador Dalí assinou o da safra 1958, Picasso desenhou o rótulo da safra 1973 e David Hockney, o da colheita de 2014.

Além dos vinhedos e da adega em que repousam milhares de garrafas, o château abriga um museu de arte em que estão expostos os originais dos mais de 70 anos de arte estampada nos rótulos, além de outros itens colecionad­os pelo barão Philippe de Rothschild, principal responsáve­l por elevar a vinícola a uma das melhores da região e bisneto do barão Nathaniel de Rothschild, integrante da família inglesa de banqueiros que comprou a propriedad­e no século 18.

Para visitar os vinhedos, o museu e degustar alguns dos vinhos, em um percurso de até três horas, é preciso agendar pelo site (http://www. chateau-mouton-rothschild. com/contact). Aconselha-se a fazer com antecedênc­ia de duas a três semanas.

As visitas em geral são feitas em grupos. A maioria dos guias fala inglês e francês.

Como os chineses já respondem por 2% das vinícolas bordelesas e chegam a comprar 30% da produção anual de uma propriedad­e, alguns guias já começam a aprender mandarim.

Dormir nas vinícolas é outra opção para o enófilo, que pode tomar café da manhã olhando os vinhedos e os castelos em que os proprietár­ios das vinícolas moram.

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A portuguesa Maria do Céu ganha 1.300 euros na colheita

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