Poeta Maiakóvski renasce em nova tradução primorosa
FOLHA
Comecemos pelo fim. Naquela manhã de 14 de abril de 1930, quando o futurista russo, Vladimir Maiakóvski, apontou um Browning de fabricação espanhola para o peito, encerrava-se de modo trágico a vida e a poesia daquele que foi o poeta central da revolução bolchevique de 1917.
Há cem anos, o autor de “Flauta-vértebra”setornarano arauto revolucionário, no prodígio insurrecto capaz de captar a atenção de multidões, ao recitar poemas que saudavam acontecimentos em curso.
Ele renasce a cada nova tradução da sua poesia, como nestetrabalhoprimoroso(agora com o acréscimo de 20 poemas)dosirmãosHaroldoeAugusto de Campos e Boris Schnaiderman. A edição especial de“Poemas”,lançadapelaeditora Perspectiva, reúne cinco dezenas de trabalhos seus.
Amado e odiado, saudadoe execrado, conseguiu atrair admiração gratuita, e ódio e inveja explícitos. Por que então o suicídio em 1930, aos 36 anos?
São curiosas as reações de amigos e conhecidos, pois nos levam a crer que não acreditavam capaz do ato derradeiro.
Ele foi ator, roteirista, dramaturgo, editor e agitador cultural. Conquistou o sucesso ainda jovem. No livro “A Geração que Desperdiçou Seus Poetas”, o linguista e amigo do poeta Roman Jakobson debruçou-sesobre sua vida. Para ele, o bardo nascido na Georgia tinha “a fé abstrata na transformação futura do mundo”.
Sua expressividade é coloquial e hiperbólica, de tom profético e apaixonado, ou narcisista e desencantado. Ele conseguia assumir várias facetas sem abandonar a insubordinação da vanguarda.
Tal como inflamava as plateias com sua “voz grave, punhos de boxeador, aspecto de herói mítico e toureiro”, conforme descrição de Boris Pasternak, sua poesia fincou seu padrão e conquistou território.
As odes, elegias, sátiras e rimas complexas saltavam para o papel num ritmo sobejamente incendiário. Maiakóvski parece manter uma relação quase orgânica com a lingua- gem, sem nunca colapsar os limites líricos da sua voz.
É indiscutível que ele assumiu a arte como ato insurgente. Mas acabou por resvalar num terreno perigoso, enquistando-o na encruzilhada dialética e estética. Isso chancelou seu destino.
Com a morte de Lênin, o poeta ficou indefeso perante a camarilha de Stálin, que começouacriticá-lo.Escritoresdorealismo socialista passam a difamá-lo, e sua influência ruiu.
Apesar de toda vivência, e ao efetuar a materialização cabal dos ideais da revolução, Maiakóvski só expôs suas contradições e tensões, a visão do mundo e da arte futuros que comandaram a inspiração.
A Jakobson, após voltar de uma viagem pela Europa, nos anos 1920, o poeta pediu um resumo da teoria da relatividade de Einstein, divulgada à época. Para Maiakóvski, a teoria nos conduziria à ressurreição. Mesmo efeito tem cada novo resgate de sua obra. JORGE HENRIQUE BASTOS, QUANTO R$ 65 (288 págs.) AUTOR Graham Moore TRADUÇÃO Jorio Dauster EDITORA Companhia das Letras QUANTO R$ 59,90 (440 págs.) AVALIAÇÃO ruim