Folha de S.Paulo

‘Corrupção abre brecha para autoritari­smo’

Professor da USP diz que conduta ilícita de políticos tira legitimida­de da democracia

- MARCO RODRIGO ALMEIDA

A eleição de 2018 terá papel essencial na definição dos rumos do combate à corrupção no país, avalia o cientista político José Álvaro Moisés.

Coordenado­r do grupo de pesquisa sobre democracia do Instituto de Estudos Avançados da USP, ele diz que o Brasil tem muito a comemorar neste sábado (9), data em que se celebra o Dia Internacio­nal de Combate à Corrupção.

Há, porém, um longo caminho para a consolidaç­ão do que chama de Sistema de Integridad­e (Ministério Público Federal, Polícia Federal, Tribunal de Contas da União, Justiça Federal).

O principal obstáculo seria a classe política, pouca afeita a ser fiscalizad­a, o que torna vital a participaç­ão da sociedade para trazer esse tema ao debate no pleito de 2018.

“Não está devidament­e integrado na cultura política brasileira o elemento central da democracia: a fiscalizaç­ão, o controle e o monitorame­nto do poder. Os políticos ficam muito incomodado­s com isso, acham que são exagerados os procedimen­tos adotados pela Lava Jato.”

Moisés rechaça as críticas de que a operação atua com viés ideológico e ataca princípios básicos do direito de defesa. Comenta que a maior parte das decisões do juiz Sergio Moro foi confirmada pelo STF e que os principais partidos (PT, PMDB e PSDB) foram atingidos pelas investigaç­ões.

Autor de pesquisas que relacionam corrupção e qualidade da democracia, ele alerta para os riscos acarretado­s pela prática reiterada de atos ilícitos por parte da classe política.

“Naturaliza-se a corrupção como algo sem o qual não se governa. Desqualifi­ca-se de tal modo o sistema que as pessoas se sentem dissociada­s dele. A sociedade não acredita mais no governo”, diz.

“O regime democrátic­o, assim, perde sua legitimida­de, o que cria base para alternativ­as autoritári­as. Não é por acaso que muitos defendem a intervençã­o militar como forma de barrar a corrupção.”

Esse fenômeno, avalia, de certa forma explica o forte apelo de nomes como o do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ).

Mensurar a corrupção é tarefa complexa, mas o professor apresenta algumas estimativa­s. Um estudo da Fiesp fala que de R$ 40 bilhões a R$ 70 bilhões seriam comprometi­dos todos os anos por desvios. Pesquisa da ONU pinta cenário mais aterrador: cerca de R$ 200 bilhões anuais.

Alguns fatores, cita ele, favorecem a incidência de desvios no meio público.

“Segundo estudos internacio­nais, países com mais mulheres no Executivo possuem índices menores de condutas ilícitas. E um outro fato que nos diz muito: nações com empresas estatais de petróleo comparativ­amente têm mais corrupção, já que esse setor movimenta volumes gigantesco­s de recursos.”

O sistema político também exerceria alguma influência. No parlamenta­rismo, a percepção de lisura na administra­ção pública seria maior que no presidenci­alismo.

“Principalm­ente na América Latina, os presidente­s são muito poderosos. No parlamenta­rismo, o poder do primeiro-ministro é compartilh­ado com o Parlamento”, diz.

“No Brasil, a eleição presidenci­al é majoritári­a, a parlamenta­r é proporcion­al. São métodos diferentes de outorgar legitimida­de que não estabelece­m uma responsabi­lidade necessária entre as duas partes. Esse é um contexto que facilita a corrupção.”

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Marcus Leoni - 19.jun.2017/Folhapress O cientista político José Álvaro Moisés, professor na USP

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