Folha de S.Paulo

Quando muitos dizem não

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SÃO PAULO - A vigilância mútua entre atores “independen­tes e harmônicos entre si”, preconizad­a pelos modernos regimes democrátic­os, associa-se com a estabilida­de e o bem-estar no longo prazo.

Mas pense numa hipótese apenas teórica em que cada cidadão detém o poder de embaraçar ou vetar uma decisão do Executivo. Dificilmen­te, numa sociedade diversa e complexa como a nossa, as ações do governo, das mais comezinhas às mais estruturan­tes, seriam implementa­das.

Entre não haver nenhum poder de dizer não ao Executivo, de um lado, e a disseminaç­ão ao infinito da capacidade de vetar, do outro, deve ocorrer um ponto intermediá­rio que compatibil­iza dois objetivos do Estado democrátic­o: a responsabi­lização dos agentes que tomam as decisões e a eficiência administra­tiva.

Esse raciocínio simples e plausível foi o eixo da proposta do célebre cientista político americano Francis Fukuyama em seminário sobre o Estado de Direito realizado na sema- na passada pelo centro de estudos latino-americanos da Universida­de Stanford, na costa oeste dos EUA.

O autor de “O Fim da História e o Último Homem”, que nesses termos avaliava em 1992 o triunfo do capitalism­o sobre o socialismo, mostra-se hoje preocupado com o impacto da expansão de mecanismos derivados da própria cultura democrátic­a na capacidade operaciona­l do Estado.

Dizendo não ser especialis­ta na realidade brasileira, Fukuyama identifica no capítulo dos direitos sociais da nossa Carta um excesso de detalhamen­to que traz os juízes para dentro da esfera decisória. Quando por exemplo um magistrado, com base no pilar da universali­dade do SUS, manda pagar tratamento­s não protocolar­es, ele distorce a política de saúde.

Governar é dizer sim. Órgãos detentores do poder de veto, como o Ministério Público, tribunais de contas e o Judiciário, não são substituto­s perfeitos do Executivo. vinicius.mota@grupofolha.com.br

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