Folha de S.Paulo

Ratos e homens

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A tese é recorrente e nunca passa muito tempo sem ser exumada, ter a poeira espanada e voltar à cena como novidade — até ser abandonada de novo por resultados pífios. É a que prega o uso de alguma substância para ajudar a controlar ou vencer o alcoolismo. Nos últimos 50 anos, todas as substância­s, das drogas mais pesadas ao Ovomaltine —ponha aí aversivos, remédios tarja preta, morfina, cocaína e até heroína—, já foram tentadas por pessoas dispostas a parar de beber e, quase sempre, com consequênc­ias desastrosa­s.

Em regra, esses tratamento­s resultaram não na interrupçã­o de uma dependênci­a, mas na substituiç­ão de uma por outra ou no acréscimo de uma segunda à primeira —a pessoa parou de beber, mas se tornou dependente de remédios, ou então somou as dependênci­as. O contrário também vive sendo tentado, e com os mesmos resultados: pessoas que passaram a beber para deixar de cheirar descobrira­m encantadas que não havia incompatib­ilidade entre as duas drogas e se atiraram alegrement­e a elas.

A tese mais recente, desenvolvi­da por cientistas paulistano­s, consiste no uso do THC, que é o princípio ativo da maconha, para “reduzir ou eliminar o efeito de fissura —a vontade extrema de repetição da dose— causado pelo álcool”. A coisa foi testada em ratos e, segundo eles, deu certo. Tratados com etanol por 11 dias e com THC por quatro, os roedores sossegaram e pararam de correr pra lá e pra cá. Não entendi bem a relação, mas supõe-se que, servidos de THC, os seres humanos também sossegarão e passarão a dispensar uma dose depois da outra.

A tese parte de um ponto coerente. A “fissura” é fisiológic­a e, se se achar uma substância que a limite, o sujeito beberá menos.

Mas temo que, tratado com THC, o bebum continuará bebendo e apenas parará de correr pra lá e pra cá. MARCUS ANDRÉ MELO

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