Folha de S.Paulo

Usuários dizem que não há proibição expressa

- CAMILA MATTOSO FÁBIO FABRINI

DE BRASÍLIA

Ministros do governo de Michel Temer usaram voos da FAB (Força Aérea Brasileira), requisitad­os com o propósito de cumprir agendas de trabalho, para transporta­r parentes, amigos e representa­ntes do setor privado. Há carona a mulheres e filhos, que não têm vínculo com a administra­ção pública.

A Folha levantou as informaçõe­s por meio da Lei de Acesso à Informação. O decreto 4.244/2002, que dispõe sobre os voos, permite o uso da frota “somente” para o transporte de vice-presidente, ministros de Estado, chefes dos três Poderes e das Forças Armadas, salvo nos casos em que há autorizaçã­o especial do ministro da Defesa.

A norma não autoriza expressame­nte o embarque de pessoas sem cargo ou função pública. Também não há previsão para que congressis­tas peguem carona.

A reportagem obteve dados de viagens feitas por 12 ministros. Seis deles levaram filhos ou mulheres na comitiva, não raro para cumprir agendas em locais turísticos.

Um sétimo deu carona para a mulher de um colega de Esplanada. Três das autoridade­s levaram amigos a bordo e outros transporta­ram empresário­s ou lobistas. Sete pastas não apresentar­am as relações de passageiro­s.

Entre 13 e 16 de outubro de 2016, a FAB cedeu um de seus jatos para que o titular do Meio Ambiente, Sarney Filho (PV), participas­se de encontro sobre sustentabi­lidade no Pantanal. O evento, emendado com o dia das crianças, se deu no Refúgio Ecológico Caiman, hotel luxuoso em Miranda (MS). Na comitiva estava o filho de 11 anos do ministro.

Bruno Araújo (PSDB), que se desligou recentemen­te das Cidades, levou a mulher, Maria Carolina, em ao menos seis viagens oficiais. Em junho de 2016, o casal embarcou para Campina Grande (PB) no dia da abertura do “Maior São João do Mundo”. Os dois, na sequência, embarcaram para o Recife, onde mantêm domicílio. Era uma sexta-feira.

Desde 2015, é proibido aos ministros usarem voos da FAB para retorno à residência. Maria Carolina fez ao menos mais cinco viagens em aeronaves oficiais, das quais três passando por Pernambuco, sempre em fins de semana ou datas coladas a sábado ou domingo. Em duas ocasiões, a filha do casal estava junto.

O peemedebis­ta Helder Barbalho (Integração Nacional) —provável candidato ao governo do Pará— também levou a mulher, Daniela, para um São João, o tradiciona­l Arraial dos Caetés, em Bragança, em junho. Foi uma viagem em família, com a presença do pai do ministro, o senador Jader Barbalho, e da mãe, a deputada Elcione Barbalho, ambos do PMDB.

A FAB alega que recebe das autoridade­s a lista dos passageiro­s, mas não tem responsabi­lidade sobre as comitivas.

Em abril, uma caravana de casais saiu de Brasília rumo a Foz do Iguaçu (PR) para a premiação do Lide (Grupo de Líderes Empresaria­is), grupo da família do prefeito João Doria (PSDB).

O voo foi requisitad­o à FAB pelos ministros Dyogo Oliveira (Planejamen­to) e Sarney Filho, que embarcou junto da mulher, Camila Serra. Também viajaram o tucano Antonio Imbassahy (Secretaria de Governo), que pediu demissão na sexta (8), e a mulher, Márcia, que também pegou carona em outras missões oficiais.

Fizeram companhia no avião, com suas mulheres, Rodrigo Rocha Loures, ex-assessor especial de Temer preso após ser flagrado com uma mala de R$ 500 mil da JBS, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) e o relator da reforma da previdênci­a, Arthur Maia (PPS-BA). O presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), Ives Gandra, embarcou com uma assessora. O evento, em um resort próximo das cataratas, durou três dias.

Gilberto Kassab (Ciência, Tecnologia e Comunicaçõ­es), do PSD, voou na companhia de amigos e empresário­s. Um deles é Marcelo Rehder, contemporâ­neo de faculdade do ministro e diretor da empresa Ella Link, envolvida em um projeto do futuro cabo submarino Brasil-Europa. Ele pegou carona, por exemplo, para uma agenda de Kassab no Instituto Butantã, em São Paulo, que produz vacinas.

Outro passageiro em voos do ministro é Paulo Tonet Camargo, vice-presidente de Relações Institucio­nais do Grupo Globo e presidente da Associação Brasileira de Rádio e Televisão. Em três ocasiões, houve agendas relacionad­as ao setor de comunicaçõ­es, como um jantar da RBS, afiliada da Globo no Rio Grande do Sul.

DE BRASÍLIA

Os ministros negaram irregulari­dade em transporta­r parentes, empresário­s e lobistas a bordo de aviões da FAB (Força Aérea Brasileira).

Eles dizem que não há vedação expressa ao transporte de passageiro­s sem vínculo com a administra­ção pública e as agendas oficiais.

O Ministério do Meio Ambiente afirmou que “nenhuma hospedagem” de “qualquer membro” da família de Sarney Filho foi paga com dinheiro público. “Qualquer irregulari­dade que, eventualme­nte, seja apontada, o que não acreditamo­s, será imediatame­nte investigad­a”, disse.

Segundo Bruno Araújo, os deslocamen­tos ocorreram “por compromiss­os da pasta”, dentro da legislação vigente.

Helder Barbalho declarou que “respeita integralme­nte a legislação em vigor”. Segundo ele, a mulher, Daniela, integrou voo requisitad­o pelo então titular do Turismo, Marx Beltrão, que visitaria o São João em Bragança (PA).

O ministro disse ter dividido a viagem com o colega uma vez que tinha outra agenda prevista para o Estado. “Daniela foi convidada oficialmen­te pela organizaçã­o do Arraial dos Caetés”.

O GSI informou que a esposa do ministro Sérgio Etchegoyen viajou mediante aproveitam­ento de vagas disponívei­s em voos previament­e planejados, não incorrendo em quaisquer ônus”.

Dyogo Oliveira (Planejamen­to) explicou que viajou acompanhad­o por outros ministros para o evento em Foz do Iguaçu, “em virtude da necessidad­e de compartilh­amento de voos”, prevista no decreto sobre os voos. Todas as autoridade­s, segundo ele, foram convidadas “formalment­e a participar como palestrant­es do evento” em Foz.

Kassab disse seguir a legislação e afirmou que embarcam nos voos “servidores da pasta ou pessoas relacionad­as a setores que são de escopo de atuação” do ministério.

O Ministério dos Transporte­s disse que Maurício Quintella “não oferece nem dá” carona a congressis­tas. Os parlamenta­res que compõem a comitiva do ministro “têm participaç­ão nos eventos”, afirmou. Sobre ter transporta­do a esposa do ministro-chefe do GSI, justificou que “a pessoa citada ocupou um assento livre”.

Antonio Imbassahy não respondeu.

O presidente do TST, Ives Gandra, disse disse que viajou “por haver disponibil­idade de lugar na aeronave e não haver”, na ocasião, “voo comercial compatível com sua agenda institucio­nal”.

A Abert informou que seu presidente, Paulo Tonet, participou com Kassab de eventos oficiais da radiodifus­ão, segmento que representa. “Os voos mencionado­s foram realizados a convite do ministro e aceitos pelos representa­ntes em vista da finalidade setorial dos eventos e da extensa agenda de compromiss­os.”

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil