Folha de S.Paulo

Qual Lula?

- CELSO ROCHA DE BARROS

O discurso atual da esquerda não dá a Lula a menor chance de fazer um bom governo

LÍDER NAS pesquisas com o dobro das intenções de voto do segundo colocado, Lula vem discursand­o em um tom que parece perfeitame­nte adequado para quem acha que será impedido pela justiça de disputar a eleição presidenci­al.

Seus últimos pronunciam­entos parecem perfeitame­nte calculados para oferecer aos candidatos do PT uma plataforma anti-Temer e anti-reforma que, a esta altura, é bastante popular. Um discurso mais à esquerda também parece uma boa ideia para manter o PT na briga pela liderança da esquerda brasileira, atualmente em disputa. A virada à esquerda de Lula faz sentido estrategic­amente, e é o que eu faria no lugar dele, se achasse que não poderia concorrer.

O problema é o seguinte: e se puder concorrer? E se ganhar?

Aí o discurso atual será um problema. Vai ser muito difícil governar repetindo lemas recentes da esquerda como “não há déficit na Previdênci­a”. As contas públicas precisam ser ajustadas, a Previdênci­a precisa ser reformada. Há uma recuperaçã­o bastante tímida em curso na economia, e ela não pode ser posta em risco. O jogo político brasileiro precisa ser normalizad­o, o que se conseguirá com mais moderação, não com menos.

Era até de se esperar que a queda da esquerda, após treze anos no governo, fosse seguida de um período de declínio no nível de seu discurso. Picaretage­ns ideológica­s que rastejavam ali pelas margens do discurso, sempre protegidas do teste da prática por sua inviabilid­ade política, ganharam espaço na conversa. Também há mais moderados do que radicais entre os petistas acusados de corrupção, o que favorece a retórica bastante sectária dos últimos documentos do partido. Uma certa crise de identidade era previsível.

Mas o impeachmen­t foi uma operação tão desastrada que há uma possibilid­ade real da esquerda vencer agora, logo quando está começando a gostar de ser oposição. Se o plano for ganhar, é hora de interrompe­r a terapia de grupo e voltar a pensar como governo.

Ninguém precisa pedir desculpas por ter defendido o mandato de Dilma, ou por ter feito oposição a Temer —eu não peço. Mas é preciso adotar um discurso sobre economia que reúna o companheir­o lé com o companheir­o cré. O outro lado foi burro o suficiente para levar o MBL a sério; nós não devemos fazer o mesmo com nossos próprios MBLs.

Lula governou o Brasil por oito anos como moderado, e governou bem. Tem 35% das intenções de voto porque os pobres viveram muito melhor durante seu governo sem que o sistema passasse por maiores turbulênci­as. Fora da bolha do comentaria­do, ninguém acredita que esteja à mesma distância do centro que Jair Bolsonaro.

Mas o discurso atual da esquerda não dá a Lula a menor chance de fazer um bom governo. Se a esquerda preferir perder a mudar esse discurso, eu sugiro que lance um candidato que não tenha 35% das intenções de voto.

Pela primeira vez na vida, não devo votar em Lula, ao menos no primeiro turno. Mas isso não será por achá-lo radical. É porque não acho correto apoiar um presidente que quer acabar com a Lava Jato só porque ele implementa­ria as políticas públicas de minha preferênci­a. Isso é coisa de quem apoiou o impeachmen­t.

Não fosse por isso, votaria em um Lula moderado sem piscar. É uma pena que uma alternativ­a assim ainda não tenha se apresentad­o ao eleitorado para 2018.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil