Folha de S.Paulo

Campanhas vão apostar na arrecadaçã­o pela internet

Sem doações de empresas, políticos ampliam canais para receber verbas

- JOELMIR TAVARES

Em 2016, doações de pessoas físicas correspond­eram a 43% dos recursos obtidos pelos candidatos

A foto de um candidato aparece na sua caixa de e-mail ou pula na tela do seu celular. Ao lado do rosto sorridente, um pedido: dê dinheiro para minha campanha.

A situação será mais comum em 2018 do que em qualquer outra eleição, segundo a expectativ­a de candidatur­as que começam a se organizar e de consultori­as em busca de clientes para o pleito.

É uma conta simples: sem as contribuiç­ões de empresas (proibidas pelo Supremo Tribunal Federal em 2015), políticos vão precisar ampliar canais de arrecadaçã­o.

Já terão o reforço do fundo eleitoral de aproximada­mente R$ 2 bilhões criado neste ano pelo Congresso, mas esperam também a verba das campanhas virtuais.

Reunidos em um seminário em São Paulo para debater o modelo de “financiame­nto cidadão”, representa­ntes de partidos e assessoria­s que prestam serviços para campanhas demonstrav­am interesse em explorar esse caminho, embora reconheçam que brasileiro­s não têm o hábito de doar para políticos.

“As pessoas ajudam Graac [que reúne contribuiç­ões para a luta contra o câncer infantil], Hospital do Câncer. Disponibil­idade para doar elas têm”, ponderava o marqueteir­o Justino Pereira, que organizou o evento há alguns dias em um hotel no centro da capital. “Elas doam para causas”.

A construção de uma narrativa que transforme campanhas em causas nas quais as pessoas queiram se engajar —e investir— foi apontada por convidados internacio­nais do encontro como estratégia que impulsiona a arrecadaçã­o.

Representa­ntes de empresas que operaram os sistemas nas campanhas de Donald Trump e Bernie Sanders (nos EUA) e de Pedro Sanchéz (na Espanha) compartilh­aram dicas com os brasileiro­s.

Entre elas: é mais fácil conseguir dinheiro para objetivos específico­s (pagar gastos do comitê, custear um encontro com militantes); é preciso usar comunicaçã­o direta e simples; se o processo de cadastro e doação for complicado, a pessoa desiste no meio. ‘VAQUINHA’ É NOVIDADE A antecipaçã­o do debate sobre as doações é explicada pela necessidad­e de buscar novas fontes, mas também pelo calendário. A reforma eleitoral aprovada no Congresso permite que a partir de maio, antes até do registro de candidatur­a, já possam ser usadas plataforma­s de “crowdfundi­ng” para conseguir recursos.

O prazo para apresentar a inscrição na Justiça Eleitoral termina três meses depois, em agosto. Se a candidatur­a for indeferida, os recursos obti- dos pela plataforma terão que ser devolvidos a cada doador.

Com o requerimen­to da candidatur­a, o político também poderá começar a coletar dinheiro em sua própria página, sem intermediá­rios. A modalidade já era permitida, mas a expectativ­a é que agora ganhe mais atenção e peso no caixa de campanha.

Pelas definições do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), sites como Catarse, Vakinha e Kickante estariam aptos a ser contratado­s para hospedar as arrecadaçõ­es. As páginas estão à espera de regulament­ação do tribunal que deve sair neste mês.

A lei vai impor a elas uma série de obrigações, como cadastro prévio, identifica­ção detalhada de doadores, emis-

ANTÔNIO ANDRADE

dono de empresa que opera doações

JUSTINO PEREIRA

marqueteir­o são de recibo e prestação de contas em tempo real.

Preocupado com o risco de que as facilidade­s do sistema favoreçam lavagem de dinheiro —por exemplo com o uso de CPFs para disfaçar doações irregulare­s—, o TSE deverá apertar a fiscalizaç­ão. ‘PERFUMARIA’ Levantamen­to da Folha mostrou que, na campanha de 2016, a primeira sem financiame­nto empresaria­l, doações de pessoas físicas correspond­eram a 43% dos recursos obtidos pelos candidatos. Na eleição de 2012, o percentual era de 25%.

Com mais de R$ 293 mil, a candidatur­a de Marcelo Freixo (PSOL-RJ) para deputado em 2014 virou referência no assunto. “Doações de pessoas físicas representa­ram 30% da arrecadaçã­o dele naquele ano”, diz Antônio Andrade, da Um a Mais, empresa que operou o sistema. “Quando se atinge esse patamar, nosso trabalho deixa de ser visto como ‘perfumaria’ e passa a ser considerad­o central.”

No encontro em São Paulo, a consultori­a Ideia Big Data apresentou levantamen­to com quase mil pessoas mostrando que 5% dizem querer doar para candidato ou partido em 2018.

Entre os entrevista­dos, 95% disseram que nunca doaram para legendas. Antes de mostrar a pesquisa, o representa­nte da Ideia, Moriael Paiva, dirigiu à plateia um misto de provocação e piada: “Se já está difícil pedir voto, imagina dinheiro”.

“atinge esse patamar [30%], nosso trabalho deixa de ser visto como ‘perfumaria’ e passa a ser considerad­o central

Arrecadaçã­o por meio de “vaquinhas” virtuais não era aceita pelo TSE; corte entendia que não havia previsão legal para a prática PERDAS E GANHOS DESVANTAGE­NS, PARA CANDIDATOS > Doações tendem a atingir volume menor do que o obtido com financiame­nto de empresas > Como muitas campanhas devem pedir dinheiro em 2018, recursos ficarão pulverizad­os VANTAGENS, PARA A ELEIÇÃO > Recebendo doações pequenas de muitas pessoas (e não mais doações grandes de poucas pessoas), eleitos terão menos compromiss­o com financiado­res > Doações podem aproximar eleitores de campanhas e incentivar doadores a acompanhar de perto mandatos dos eleitos PERGUNTAS E RESPOSTAS Onde o candidato pode pedir ajuda? Em seu próprio site ou do partido e por meio de “crowdfundi­ng” A partir de quando? Nas “vaquinhas”, a partir de 15 de maio. No site próprio, quando tiver requerido a candidatur­a, o que deve ocorrer a partir de agosto Para onde vai o dinheiro da “vaquinha” se a candidatur­a não for oficializa­da? Deve ser devolvido a cada doador

As pessoas ajudam Graac, Hospital do Câncer. Disponibil­idade para doar elas têm

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil