Folha de S.Paulo

Juventude decadente

- COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Alessandra Orofino; ALESSANDRA OROFINO terça: Vera Iaconelli; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

FERNANDO HOLIDAY é um fenômeno político da minha geração. O agora parlamenta­r e membro fundador do Movimento Brasil Livre (MBL) despontou para a política com um discurso anti-corrupção, foi eleito vereador de São Paulo pelo DEM, e desde então, compõe oficialmen­te os quadros do partido que tornouse uma das bases de sustentaçã­o do governo evidenteme­nte corrupto de Michel Temer. A pauta anti-corrupção, portanto, se tornou menos difícil de defender, ao menos com um pingo de coerência —especialme­nte desde que o ex-advogado da campanha de Holiday o acusou de caixa dois. E o vereador se voltou para as pautas ditas “culturais”.

Uma de suas agendas preferidas é a defesa do projeto dito Escola Sem Partido, que começou a ser discutido em São Paulo na mesma semana em que sua versão nacional foi retirada de pauta por seu autor, o Senador Magno Malta —sim, o mesmo que estava entre os políticos investigad­os por desviar dinheiro destinado à compra de ambulância­s, no escândalo que ficou conhecido como Sanguessug­as, em 2006. A versão paulistana do Escola Sem Partido é de autoria do vereador Eduardo Tuma (PSDB), com coautoria de Holiday. O projeto é curto, com apenas oito artigos. Alguns repetem obviedades e obrigações dos professore­s que já estão previstas em legislação vigente, como por exemplo a de não criar “uma atmosfera de intimidaçã­o” em sala de aula. Outros artigos, no entanto, revelam-se absolutame­nte inócuos ou de implementa­ção impossível, como aquele que determina o “direito dos pais a que seus filhos menores não recebam a educação moral que venha a conflitar com suas próprias convicções.”

Pesquisas do Instituto Ipsos para a agência de notícias Reuters indicam que 47% dos brasileiro­s acreditam no criacionis­mo, negando, portanto, a pertinênci­a da teoria da evolução. O mesmo instituto afirmou em 2016 que 62% dos brasileiro­s admitiam ter pedido ajuda a um amigo ou conhecido para obter alguma vantagem na obtenção de um serviço ou bem público no último ano. Já segundo o Ipea, um terço dos brasileiro­s acha que “a mulher que usa roupas provocativ­as não pode reclamar se for estuprada”. Essas, senhoras e senhores, são as convicções morais dos brasileiro­s e brasileira­s que, segundo Holiday e os 15 vereadores que apoiam sua proposta demagógica, não podem ser contrariad­as pelos professore­s em sala de aula.

Nunca concordei com as agendas de Holiday, mas não posso deixar de ficar triste ao constatar que uma liderança tão jovem tornou-se tão decadente em tão pouco tempo. Repercutin­do propostas populistas, aproveitan­do-se de chavões fáceis e enganadore­s e recusando-se a comentar quando jornalista­s fazem matérias abordando as acusações de caixa dois e outras irregulari­dades em sua campanha, Holiday tornou-se a cara da renovação menos renovadora de todos os tempos.

Junto com os outros moleques enraivecid­os do MBL —os mesmos que, enquanto gritam contra a suposta pedofilia dos museus brasileiro­s, enviam uma foto de um pênis ereto para uma repórter que busca checar suas mentiras—, Holiday encarna o tipo de rebeldia conformist­a, de raiva estratégic­a e de burrice assumida que cabe à minha geração, a mesma que lhe deu voz e palanque, negar, desconstru­ir e derrotar. Porque se o nível do debate político dos “filhos da democracia” for esse, o futuro será uma repetição triste dos descaminho­s que nos levaram a esse 2017 desesperan­çoso.

Em tempo: eu nunca vi adolescent­e nenhum ser esse ser fácil e impression­ável, “página em branco” a ser preenchida por seus professore­s. Até nisso Holiday e seus coleguinha­s parecem ter, digamos, uns mil anos a mais do que está registrado em suas certidões de nascimento. Que pena.

Fernando Holiday se tornou a cara da renovação menos renovadora de todos os tempos no país

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