Aposentadoria de veteranos pode deixar Ibama órfão na fiscalização
Prevê-se uma debandada nos próximos três anos, o que deve prejudicar ações antidesmatamento
Agentes reclamam de condições de trabalho, valor das diárias e ausência de adicional de periculosidade
Às vésperas da aposentadoria, integrantes das primeiras levas de fiscais do Ibama se preparam para pendurar os coletes em meio à incerteza em relação ao futuro do órgão.
Apelidados de “barrigudinhos” por colegas mais jovens, os agentes de barba e cabelos brancos são maioria nas equipes que atuam neste momento no combate ao desmatamento e à exploração ilegal de madeira na região de Colniza (1.080 km de Cuiabá), no noroeste de Mato Grosso.
É uma mão de obra calejada não só pelos obstáculos naturais da Amazônia, mas também pelas longas jornadas diárias, a distância da família, as condições de trabalho inadequadas e o medo constante de represálias.
Segundo eles, a lenta reposição dos quadros da fiscalização de campo será incapaz de compensar a grande debandada prevista para os próximos três anos —e as ações nas áreas de floresta deverão ser as mais prejudicadas.
“São poucos os jovens que se envolvem em atividades como as que estamos cumprindo aqui. Há um desinteresse, além de faltar incentivo”, diz Huyghens Caetano da Fonseca, 59, agente do Ibama de Minas Gerais há 35 anos.
As queixas, em geral, se referem às condições de trabalho e ao valor das diárias, fixo para qualquer região do país, seja ela isolada ou não. Também não há adicional de periculosidade, pois o risco é considerado inerente à atividade.
“Hoje não há diferença entre um fiscal que trabalha na Amazônia e um que atua em outro bioma, numa condição menos pior ou num escritório. Isso desestimula a reposição”, avalia o analista ambiental Evandro Carlos Selva, chefe da unidade técnica de Juína.
Com 41 anos de idade, Selva está longe da aposentadoria, mas tem motivos para se preocupar: a partir de 2018, quase metade de sua equipe deve deixar o Ibama. “Nos próximos dois a três anos, se não houver mudança no quadro, vamos sofrer muito”, diz.
A diária que os fiscais recebem é de R$ 170,60 (independentemente para onde vão). O salário de fim de carreira para trabalhadores de nível médio (80% dos fiscais que vão a campo) é de cerca de R$ 5.000 líquidos. O analista ambiental, de nível superior, recebe R$ 8.000 líquidos com dez anos de serviço. DOENÇAS E VIOLÊNCIA O Ibama foi criado em 1989 a partir da fusão do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), da Superintendência de Pesca (Sudepe) e da Superintendência da Borracha (Sudhevea).
Oriunda dos quadros do IBDF, a mineira Eliana Mendes de Andrade, 65, é uma das que pretende sair nos próximos dois anos. Somando o tempo trabalhado nos dois órgãos, possui 36 anos de contribuição. “Minha família não sabe os riscos que corro. Às vezes, omito onde estou, para eles não se preocuparem”, diz.
Os riscos não são superestimados: a exposição ao contágio de doenças tropicais, por exemplo, é constante. Ao longo de 32 anos de fiscalização, o agente Celso Aparecido Sanches, 53, contabilizou cinco malárias. “Também tive tifo e outras doenças de menor periculosidade”, conta.
O perigo também está nas vias de acesso. Ao longo de cinco dias acompanhando as equipes de fiscalização, a reportagem se deparou com atoleiros e pontes improvisadas com troncos. O que mais preocupa os agentes, contudo, é o risco de ações violentas em resposta às atividades de campo. Neste ano, por exemplo, foram registrados ataques a carros e prédios do Ibama em MT, RO e no PA.
No dia 7 de novembro, uma caminhonete de fiscalização foi incendiada em uma ação à luz do dia, na avenida principal do distrito de Guariba, em Colniza. O veículo estava a serviço de um grupo de agentes de Goiás, que se viu cercado por moradores.
“Foi uma situação tensa. Quando telefonei para casa, minha filha caiu no choro e pediu para que eu voltasse para casa naquele dia mesmo”, afirma o agente Odir Adelino Batista, 56, que dirigia o veículo.
Mesmo com as dificuldades, quase todos dizem esperar com um aperto no peito o momento da despedida. A adaptação a uma vida “normal”, admitem, será o maior desafio. “Isso aqui sempre foi a minha vida”, diz o agente Eldinaldo Nunes de Souza, 56, que pretende encaminhar sua “papelada” em 2018. “Não dá nem vontade de pensar, porque a gente vai sentir muita falta.”
Com 3.370 servidores lotados atualmente em seus quadros, o Ibama calcula que deverá perder cerca de 1.300 deles em razão de aposentadorias até 2022. Quase metade dos servidores que estão portariados para atividades de fiscalização tem mais de 50 anos. A estimativa do órgão é que cerca de 15% dos 950 agentes ambientais têm condições para se aposentar. DÉFICIT Para o coordenador-geral de Fiscalização Ambiental, Renê Luiz de Oliveira, o cenário preocupa a direção do órgão, que solicitou ao Ministério do Planejamento a realização de um novo concurso público para a contratação de 1.630 servidores, dos quais 750 para atividades de fiscalização.
“Além do concurso, será preciso investir em novas formas de atuação, como as ações de fiscalização remota”, avalia.
Outro caminho, segundo ele, é a atuação nos elos da cadeia produtiva da carne e da madeira, por exemplo.
“O trabalho de campo é fundamental, mas a investigação dos grandes compradores e financiadores, como frigoríficos e bancos, têm se mostrado eficaz para a redução dos delitos ambientais.”
DE SÃO PAULO
Uma iniciativa 100% nacional irá buscar novas substâncias originárias da biodiversidade das plantas brasileiras com o objetivo de levar novos remédios às prateleiras das farmácias. Apesar do estágio inicial em que as pesquisas se encontram, as expectativas são altas.
O laboratório farmacêutico Aché, o Laboratório Nacional de Biociências (integrante do CNPEM, Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais) e a empresa Phytobios, especializada na prospecção e na obtenção de extratos da natureza, uniram-se na empreitada. O anúncio da parceria será feito nesta segunda (11).
Um dos dois projetos prospectará um medicamento oncológico. O outro deve ter aplicações em dermatologia ou em cosméticos, ao atuar como um agente antienvelhecimento.
O investimento na primeira fase de desenvolvimento é de R$ 10 milhões —metade do valor será pago pelo Aché. Do restante, uma parte fica a cargo da dobradinha CNPEM-Phytobios e outra, da Embrapii, a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial.
O gerente de desenvolvimento de drogas do LNBio, Eduardo Pagani, explica que o montante custeará os primeiros cinco anos de desenvolvimento, que essencialmente envolvem a formação da biblioteca e os testes químicos iniciais. Caso os produtos sejam lançados, os dividendos serão repartidos.
Segundo o diretor de inovação do Aché, Stephani Saverio, recorrer à biodiversidade em busca de “inspiração” não é um luxo, mas uma necessidade em uma era na qual sintetizar novos compostos químicos é uma tarefa quase impossível.
“Não há muito mais opções na área da química de síntese para fazer uma molécula do zero; é uma área que já é explorada desde as décadas de 1930 e 1940.”
Por causa dessa saturação, a biodiversidade tornase fonte de ideias. Cada espécie de planta produz uma miríade de substâncias, algumas com uma estrutura totalmente diferente daquilo que era imaginado no universo da síntese química.
Para identificar as candidatas a medicamentos, as moléculas de um extrato vegetal são postas à prova: se funcionarem como “chaves” em “fechaduras” moleculares, elas passam para a fase seguinte do desenvolvimento. É nesse ponto que se encontram atualmente as pesquisas do consórcio.
O próximo passo é tentar melhorar a molécula para conferir a ela outras propriedades, como boa taxa de absorção (no caso de via oral) e mais afinidade com sua “fechadura” —também conhecida como alvo terapêutico.
Na sequência vêm os testes em animais e, depois, em humanos. Os investimentos aumentam progressivamente, girando na casa das dezenas de milhões de reais.
Caso seja necessário obter a matéria-prima na mata para a produção, o modelo adotado é o de extrativismo sustentável, explica Cristina Ropke, CEO da Phytobios.
Muitas das substâncias, que formam uma grande biblioteca, vêm de plantas que ainda nem têm nome científico —elas são identificadas e localizadas a partir de coordenadas geográficas.