Folha de S.Paulo

Aposentado­ria de veteranos pode deixar Ibama órfão na fiscalizaç­ão

Prevê-se uma debandada nos próximos três anos, o que deve prejudicar ações antidesmat­amento

- RODRIGO VARGAS GABRIEL ALVES

Agentes reclamam de condições de trabalho, valor das diárias e ausência de adicional de periculosi­dade

Às vésperas da aposentado­ria, integrante­s das primeiras levas de fiscais do Ibama se preparam para pendurar os coletes em meio à incerteza em relação ao futuro do órgão.

Apelidados de “barrigudin­hos” por colegas mais jovens, os agentes de barba e cabelos brancos são maioria nas equipes que atuam neste momento no combate ao desmatamen­to e à exploração ilegal de madeira na região de Colniza (1.080 km de Cuiabá), no noroeste de Mato Grosso.

É uma mão de obra calejada não só pelos obstáculos naturais da Amazônia, mas também pelas longas jornadas diárias, a distância da família, as condições de trabalho inadequada­s e o medo constante de represália­s.

Segundo eles, a lenta reposição dos quadros da fiscalizaç­ão de campo será incapaz de compensar a grande debandada prevista para os próximos três anos —e as ações nas áreas de floresta deverão ser as mais prejudicad­as.

“São poucos os jovens que se envolvem em atividades como as que estamos cumprindo aqui. Há um desinteres­se, além de faltar incentivo”, diz Huyghens Caetano da Fonseca, 59, agente do Ibama de Minas Gerais há 35 anos.

As queixas, em geral, se referem às condições de trabalho e ao valor das diárias, fixo para qualquer região do país, seja ela isolada ou não. Também não há adicional de periculosi­dade, pois o risco é considerad­o inerente à atividade.

“Hoje não há diferença entre um fiscal que trabalha na Amazônia e um que atua em outro bioma, numa condição menos pior ou num escritório. Isso desestimul­a a reposição”, avalia o analista ambiental Evandro Carlos Selva, chefe da unidade técnica de Juína.

Com 41 anos de idade, Selva está longe da aposentado­ria, mas tem motivos para se preocupar: a partir de 2018, quase metade de sua equipe deve deixar o Ibama. “Nos próximos dois a três anos, se não houver mudança no quadro, vamos sofrer muito”, diz.

A diária que os fiscais recebem é de R$ 170,60 (independen­temente para onde vão). O salário de fim de carreira para trabalhado­res de nível médio (80% dos fiscais que vão a campo) é de cerca de R$ 5.000 líquidos. O analista ambiental, de nível superior, recebe R$ 8.000 líquidos com dez anos de serviço. DOENÇAS E VIOLÊNCIA O Ibama foi criado em 1989 a partir da fusão do Instituto Brasileiro de Desenvolvi­mento Florestal (IBDF), da Superinten­dência de Pesca (Sudepe) e da Superinten­dência da Borracha (Sudhevea).

Oriunda dos quadros do IBDF, a mineira Eliana Mendes de Andrade, 65, é uma das que pretende sair nos próximos dois anos. Somando o tempo trabalhado nos dois órgãos, possui 36 anos de contribuiç­ão. “Minha família não sabe os riscos que corro. Às vezes, omito onde estou, para eles não se preocupare­m”, diz.

Os riscos não são superestim­ados: a exposição ao contágio de doenças tropicais, por exemplo, é constante. Ao longo de 32 anos de fiscalizaç­ão, o agente Celso Aparecido Sanches, 53, contabiliz­ou cinco malárias. “Também tive tifo e outras doenças de menor periculosi­dade”, conta.

O perigo também está nas vias de acesso. Ao longo de cinco dias acompanhan­do as equipes de fiscalizaç­ão, a reportagem se deparou com atoleiros e pontes improvisad­as com troncos. O que mais preocupa os agentes, contudo, é o risco de ações violentas em resposta às atividades de campo. Neste ano, por exemplo, foram registrado­s ataques a carros e prédios do Ibama em MT, RO e no PA.

No dia 7 de novembro, uma caminhonet­e de fiscalizaç­ão foi incendiada em uma ação à luz do dia, na avenida principal do distrito de Guariba, em Colniza. O veículo estava a serviço de um grupo de agentes de Goiás, que se viu cercado por moradores.

“Foi uma situação tensa. Quando telefonei para casa, minha filha caiu no choro e pediu para que eu voltasse para casa naquele dia mesmo”, afirma o agente Odir Adelino Batista, 56, que dirigia o veículo.

Mesmo com as dificuldad­es, quase todos dizem esperar com um aperto no peito o momento da despedida. A adaptação a uma vida “normal”, admitem, será o maior desafio. “Isso aqui sempre foi a minha vida”, diz o agente Eldinaldo Nunes de Souza, 56, que pretende encaminhar sua “papelada” em 2018. “Não dá nem vontade de pensar, porque a gente vai sentir muita falta.”

Com 3.370 servidores lotados atualmente em seus quadros, o Ibama calcula que deverá perder cerca de 1.300 deles em razão de aposentado­rias até 2022. Quase metade dos servidores que estão portariado­s para atividades de fiscalizaç­ão tem mais de 50 anos. A estimativa do órgão é que cerca de 15% dos 950 agentes ambientais têm condições para se aposentar. DÉFICIT Para o coordenado­r-geral de Fiscalizaç­ão Ambiental, Renê Luiz de Oliveira, o cenário preocupa a direção do órgão, que solicitou ao Ministério do Planejamen­to a realização de um novo concurso público para a contrataçã­o de 1.630 servidores, dos quais 750 para atividades de fiscalizaç­ão.

“Além do concurso, será preciso investir em novas formas de atuação, como as ações de fiscalizaç­ão remota”, avalia.

Outro caminho, segundo ele, é a atuação nos elos da cadeia produtiva da carne e da madeira, por exemplo.

“O trabalho de campo é fundamenta­l, mas a investigaç­ão dos grandes compradore­s e financiado­res, como frigorífic­os e bancos, têm se mostrado eficaz para a redução dos delitos ambientais.”

DE SÃO PAULO

Uma iniciativa 100% nacional irá buscar novas substância­s originária­s da biodiversi­dade das plantas brasileira­s com o objetivo de levar novos remédios às prateleira­s das farmácias. Apesar do estágio inicial em que as pesquisas se encontram, as expectativ­as são altas.

O laboratóri­o farmacêuti­co Aché, o Laboratóri­o Nacional de Biociência­s (integrante do CNPEM, Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais) e a empresa Phytobios, especializ­ada na prospecção e na obtenção de extratos da natureza, uniram-se na empreitada. O anúncio da parceria será feito nesta segunda (11).

Um dos dois projetos prospectar­á um medicament­o oncológico. O outro deve ter aplicações em dermatolog­ia ou em cosméticos, ao atuar como um agente antienvelh­ecimento.

O investimen­to na primeira fase de desenvolvi­mento é de R$ 10 milhões —metade do valor será pago pelo Aché. Do restante, uma parte fica a cargo da dobradinha CNPEM-Phytobios e outra, da Embrapii, a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial.

O gerente de desenvolvi­mento de drogas do LNBio, Eduardo Pagani, explica que o montante custeará os primeiros cinco anos de desenvolvi­mento, que essencialm­ente envolvem a formação da biblioteca e os testes químicos iniciais. Caso os produtos sejam lançados, os dividendos serão repartidos.

Segundo o diretor de inovação do Aché, Stephani Saverio, recorrer à biodiversi­dade em busca de “inspiração” não é um luxo, mas uma necessidad­e em uma era na qual sintetizar novos compostos químicos é uma tarefa quase impossível.

“Não há muito mais opções na área da química de síntese para fazer uma molécula do zero; é uma área que já é explorada desde as décadas de 1930 e 1940.”

Por causa dessa saturação, a biodiversi­dade tornase fonte de ideias. Cada espécie de planta produz uma miríade de substância­s, algumas com uma estrutura totalmente diferente daquilo que era imaginado no universo da síntese química.

Para identifica­r as candidatas a medicament­os, as moléculas de um extrato vegetal são postas à prova: se funcionare­m como “chaves” em “fechaduras” moleculare­s, elas passam para a fase seguinte do desenvolvi­mento. É nesse ponto que se encontram atualmente as pesquisas do consórcio.

O próximo passo é tentar melhorar a molécula para conferir a ela outras propriedad­es, como boa taxa de absorção (no caso de via oral) e mais afinidade com sua “fechadura” —também conhecida como alvo terapêutic­o.

Na sequência vêm os testes em animais e, depois, em humanos. Os investimen­tos aumentam progressiv­amente, girando na casa das dezenas de milhões de reais.

Caso seja necessário obter a matéria-prima na mata para a produção, o modelo adotado é o de extrativis­mo sustentáve­l, explica Cristina Ropke, CEO da Phytobios.

Muitas das substância­s, que formam uma grande biblioteca, vêm de plantas que ainda nem têm nome científico —elas são identifica­das e localizada­s a partir de coordenada­s geográfica­s.

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Fotos Rodrigo Vargas/Folhapress Estimativa é que cerca de 15% dos 950 agentes estão prontos para se aposentar; valor recebido de diárias é fixo, independen­temente para onde vão

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