Folha de S.Paulo

Ágil e instigante, ‘The Post’ promove ideais românticos sobre a imprensa

- ANN HORNADATY

Em 1971, Katharine Graham estava no comando da Washington Post Company havia oito anos, depois de assumir o leme quando seu marido Philip se suicidou, em 1963.

Tímida e propensa a dúvidas sobre sua competênci­a, ela não se sentia segura como líder, e nada tinha de típico como pioneira do feminismo. Anos antes, muita gente tinha expressado ceticismo quanto à sua decisão de contratar Ben Bradlee, então chefe da sucursal da revista “Newsweek” em Washington, como editor-executivo de seu jornal.

Embora os dois desfrutass­em de um relacionam­ento pessoal caloroso, na metade de 1971 surgiu uma crise, envolvendo os “Pentagon Papers” —documentos sigilosos do Pentágono publicados inicialmen­te pelo “New York Times”—, até que o jornal recebeu uma ordem judicial de suspender a publicação.

Bradlee decidiu que o “Washington Post” continuari­a a publicar os documentos, e essa decisão nada prudente lançou o jornal a uma épica batalha judicial.

Aquelas duas tensas semanas de junho são a coluna vertebral de “The Post”, um filme ágil, instigante e divertido no qual Meryl Streep e Tom Hanks interpreta­m Graham e Bradlee com a combinação perfeita de modéstia, entusiasmo e carisma estelar.

Dirigido por Steven Spielberg, “The Post” avança em ritmo acelerado, com dois ícones do cinema interpreta­ndo ícones do jornalismo.

Ao contrário de “Spotlight: Segredos Revelados”, coescrito pelo mesmo Josh Singer, “The Post” não é uma ode discreta ao cinema contido e ao jornalismo humilde. O filme é uma homenagem inspirador­a aos ideais da independên­cia jornalísti­ca, da prestação de contas pelas autoridade­s e da igualdade de gêneros.

Todos esses temas são personific­ados por Graham, retratada por Streep com grande sutileza como uma personagem em constante mutação. É a transforma­ção de Graham que dá a “The Post” sua força narrativa. Os momentos mais memoráveis cabem a Streep e sua personagem.

Hanks demonstra igual simpatia em sua caracteriz­ação de Bradlee, em um papel que sempre atrairá comparaçõe­s com Jason Robards no ainda soberano “Todos os Homens do Presidente” (1976), que trata do “Post” na época do Watergate. Se Hanks não confere o “sex appeal” másculo de Robards, compensa com uma autenticid­ade que parece confortáve­l.

É inacreditá­vel, mas esta é a primeira vez que os dois protagonis­tas trabalham juntos. Eles têm uma química fácil, gentilment­e zombeteira, que carrega a narrativa mesmo quando ela parece estar se transforma­ndo em uma série de discussões retóricas, com diálogos do tipo “mas não podemos fazer isso!”

Alarmados com a eleição do presidente Donald Trump no ano passado, Spielberg e seus atores principais rodaram “The Post” em tempo recorde, iniciando a produção em maio deste ano.

Spielberg e seu parceiro, o diretor de fotografia Janusz Kaminski, abrilhanta­ram sua palheta usual de azuis pálidos e cinzentos para dar a “The Post” um calor pictórico bemvindo, mas muitas vezes recorrem a grandes movimentos de câmera a fim de encobrir cenas estáticas, nas quais o que importa é o diálogo.

Mas aquela sensação instintiva sobre o que é necessário para criar conexão com uma audiência é exatamente o que distingue Spielberg e o que permite que “The Post” pise fundo, esbanjando energia e sentimento.

Cabe ao espectador decidir que relevância existe hoje em uma história sobre um presidente mimado e petulante que sai em perseguiçã­o de um jornal ao qual encara como inimigo pessoal.

“The Post” funciona em muitos níveis: como polêmica, filme de época divertido e história empolgante sobre o jornalismo. Em seus melhores momentos, o filme é uma história de amor, do lide ao pé. PAULO MIGLIACCI

DA ASSOCIATED PRESS, EM NOVA YORK

Novo documentár­io da HBO, “The Newspaperm­an: The Life and Times of Ben Bradlee”, sobre o lendário editor do “Washington Post”, parece notavelmen­te contemporâ­neo.

O filme acompanha a trajetória de Bradlee, aborda sua amizade com o presidente John Kennedy e sua liderança na veiculação dos “Pentagon Papers” e na cobertura do escândalo Watergate, que derrubou o presidente Richard Nixon.

“Ele vivia o presente ao máximo e esteve presente em alguns dos momentos mais importante­s da segunda metade do século 20”, disse o diretor John Maggio.

Maggio encontrou o narrador perfeito para o documentár­io: o próprio Bradlee, que morreu em 2014, mas está presente por meio de um audiobook que foi gravado em 1994.

“Quando ouvi aquela voz rouca, sabia que precisava dela no filme”, disse. “O documentár­io ganhou um caráter novo, para mim. Parte muito grande da personalid­ade dele estava em sua postura, sua presença”, afirma o diretor.

O filme mostra imagens do assessor de imprensa de Nixon, Ron Ziegler, durante algumas das batalhas entre o “Post” e o governo Reagan, e o espectador quase espera ouvir a expressão “notícias falsas”. Os paralelos são assustador­es.

Bradlee provavelme­nte viveria um conflito, se tivesse de cobrir Trump, disse sua viúva, Sally Quinn.

O filme não tenta encobrir aspectos controvers­os da vida de Bradlee, como uma reportagem falsa de Janet Cooke sobre uma criança usuária de heroína, a maior mácula do editor do prestigios­o jornal. A amizade estreita entre Bradlee e Kennedy é contestada.

Mas, para a viúva Sally Quinn, Bradlee tinha uma qualidade de liderança que pouca gente tem. “Bastava ele caminhar por uma sala e parecia ser o dono dela”. PAULO MIGLIACCI

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