Folha de S.Paulo

Hipocrisia

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Deveria ser evidente que um partido sem fidelidade de seus membros é apenas um ajuntament­o de pessoas com interesses oportuníst­icos eventuais. O comportame­nto do partido será sempre encontrado na discussão interna honesta, livre, às vezes dura e dolorosa —mas fraternal, limitada pelas premissas originais que lhe deram origem e identidade. No final, prevalecer­á a opinião da maioria.

E se a opinião da maioria nega, claramente, as suas premissas fundadoras? É hora dele dissolver-se. E se não se trata disso mas de uma divergênci­a sobre “comportame­ntos” pessoais da maioria? Então cabe à minoria organizars­e num novo partido.

Foi isso o que fizeram em 1988, durante a Constituin­te, Mário Covas, Franco Montoro e Fernando Henrique Cardoso, separando-se do PMDB e criando o PSDB.

Para ver que o equilíbrio fiscal e o enfrentame­nto das injustiças previdenci­árias são premissas fundadoras da “filosofia” do novo partido, basta atentar para o programa de Covas de 1990 (o “choque de capitalism­o”) e posteriorm­ente no poder, com Fernando Henrique, o Plano Real; a Lei de Responsabi­lidade Fiscal; a tentativa de estabelece­r a idade mínima perdida por um voto de “abstenção”; a construção posterior do inteligent­e “fator previdenci­ário” etc.

Fora do poder, o PSDB perdeu a “filosofia”: votou contra tudo o que tinha feito para prevenir eventuais benefícios ao governo do PT!

Parece que tal esquizofre­nia foi superada na convenção do partido realizada em Brasília no dia 9 último. Discursos inteligent­es e maduros de Fernando Henrique e de Alckmin mostraram que “intuem”para onde caminhará o resultado da eleição como consequênc­ia da lei eleitoral.

Só os ingênuos acreditam que um regime cuidadosam­ente construído pelas “cobras criadas” que há anos dominam autocratic­amente os grandes partidos, produzirá uma “renovação” do Congresso muito superior à média.

Hoje, a “força da gravidade” opera a favor de Alckmin, não importa o que dizem as pesquisas, porque as burocracia­s partidária­s terão todo o poder sobre os recursos de que disporão os candidatos. Não foi por outra razão que FHC e Alckmin sugeriram o “fechar a questão” em lugar do “fechar os olhos”...

A ideia, tão sedutora para amadores da política, que numa sociedade aberta um partido (que por definição, é uma organizaçã­o em torno de um ideário a ser realizado quando dispuser do poder) não pode “fechar questão” em pontos programáti­cos sensíveis que compõem a sua identidade (e o distinguem dos “outros”) porque é contra o “democrátic­o” é, apenas, uma hipócrita imbecilida­de democrátic­a...

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