Folha de S.Paulo

Inversão de papéis

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BRASÍLIA - O Barão de Itararé já ensinava: “De onde menos se espera, de lá é que não sai nada”. Mesmo assim, é difícil não se surpreende­r com o relatório final da CPI da JBS, apresentad­o nesta terça-feira.

O texto do deputado Carlos Marun tenta transforma­r suspeitos em vítimas e investigad­ores em investigad­os. Ele livra os políticos acusados de receber propina e pede o indiciamen­to do procurador Rodrigo Janot, ex-comandante da Lava Jato.

Isso já era esperado, a novidade está na argumentaç­ão jurídica. O relator propõe que Janot seja enquadrado na Lei de Segurança Nacional, que era usada para perseguir adversário­s da ditadura militar.

A famigerada LSN teve quatro versões no regime dos generais. A última foi sancionada por João Figueiredo em 1983. O general deixou o Planalto pela porta dos fundos, mas o texto sobrevive como entulho autoritári­o.

Com o palavreado típico dos “jurilas”, a lei afirma que é crime “caluniar ou difamar o presidente da República” e “incitar à subversão da ordem política ou social”.

Foi com base nesses artigos que a ditadura tentou sufocar a voz de estudantes, intelectua­is, advogados, jornalista­s... melhor parar por aqui, porque o relator da CPI está prestes a virar ministro de Estado.

A ousadia de Marun impression­ou alguns integrante­s da comissão. “É uma vergonha para nós, é uma tristeza se esta CPI acabar desse jeito”, protestou o deputado João Gualberto, do PSDB. “Hoje nós temos vergonha de sermos políticos”, emendou o senador Lasier Martins, do PSD.

Além de incriminar investigad­ores da Lava Jato, a comissão também quer amputar a lei das delações premiadas. A proposta do deputado Wadih Damous, do PT, impõe barreiras que podem inviabiliz­ar o instituto, na opinião dos investigad­ores.

Em novembro, uma testemunha disse à CPI que havia uma inversão de papéis: “Temos delatores presos e delatados soltos”. Parece que o objetivo da turma era esse mesmo.

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