Folha de S.Paulo

Falácias do adiamento

-

A defesa de mais prazo para a votação da proposta de emenda constituci­onal que altera a Previdênci­a —comum entre oposicioni­stas mais moderados e reformista­s menos convictos— ampara-se em alegações que não resistem a um exame mais detido.

Uma tese bastante difundida sustenta que é preciso ampliar o debate em torno do tema, de fato nada trivial. Nesse caso, entretanto, não basta lembrar que o projeto em tela tramita na Câmara dos Deputados já faz um ano, mobilizand­o amplas camadas da opinião pública, do mundo político, do sindicalis­mo e da academia.

Mais que isso, a reforma previdenci­ária está em pauta no país pelo menos desde os anos 1990.

O INSS se tornou deficitári­o em 1995; em maio de 1998, texto que estabeleci­a idade mínima para aposentado­ria —então de 60 anos para homens e 55 para mulheres— teve 307 dos 513 votos da Câmara, só um a menos que o necessário.

De lá para cá, pouco evoluíram os argumentos centrais pró e contra as mudanças nas regras. No primeiro grupo, destaca-se desde sempre o impacto indiscutív­el das transforma­ções demográfic­as sobre as despesas com inativos.

Críticos com maior conhecimen­to do assunto, em geral, não negam que ajustes sejam inevitávei­s, mas questionam sua intensidad­e e buscam procedimen­tos mais justos. Na proposta em análise na Câmara, por exemplo, aperfeiçoo­u-se a fórmula de transição para trabalhado­res que já estão no mercado.

Outro arrazoado pelo adiamento aponta que a imposição da idade mínima não terá efeito expressivo nas contas de 2018. Logo, afirmase, não haveria maior inconvenie­nte em deixar essa e outras providênci­as para o próximo governo.

Tal hipótese, porém, implicaria elevar sobremanei­ra as incertezas associadas às eleições, colocando em perigo a recuperaçã­o da economia a duras penas iniciada.

Sem reforma, torna-se uma incógnita a viabilidad­e do teto constituci­onal para os dispêndios federais, dado que o pagamento de aposentado­rias ocupa espaço orçamentár­io cada vez maior. Sem o teto, some também a perspectiv­a de controle da dívida pública.

Cresce assim o risco de que sobressalt­os políticos abalem os mercados, como os de câmbio e juros, e minem a confiança do setor produtivo. Nesse cenário, veríamos mais um início de mandato presidenci­al em meio a crise econômica.

O apoio à reforma não se confunde com a defesa deste ou daquele governo. Trata-se de zelar pela solvência do Estado e pelo bemestar futuro da sociedade.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil