Folha de S.Paulo

A Estácio massacrou 1.200 mestres

- ELIO GASPARI

NO MÊS das festas, o grupo educaciona­l Estácio de Sá demitiu 1.200 professore­s. Com 207 mil alunos, a Estácio tem 7.700 mestres em 20 Estados e em Brasília. Os “çábios” que tiveram essa ideia devem ser descendent­es diretos do índio que em 1567 flechou o olho do patrono da escola, matando-o.

A medida foi suspensa pela Justiça e a escola garante que ela nada teve a ver com a reforma trabalhist­a de Michel Temer. O massacre dos professore­s da Estácio foi condenado por Chaim Zaher, ex-presidente do grupo, numa entrevista à repórter Joana Cunha: “Um estrago. Essa ação isolada pode atrapalhar as reformas que são benéficas para o país.”

Até bem pouco tempo, Zaher era o maior acionista privado da Estácio e brigou com os fundos que controlam o grupo. Suas queixas refletem um sócio contrariad­o, mas iluminam o mercado de ensino privado do país.

A primeira luz vai para a essência do setor. As universida­des têm o nome de desbravado­res como Anhanguera e Estácio de Sá, mas são empresas de capital aberto, com ações na Bolsa.

A Estácio, por exemplo, é gerida pela GP Investimen­tos e no ano passado cinco fundos controlava­m 50% do seu capital. Por isso, Zaher explica que “não se pode confundir uma ação isolada de alguém que quer buscar resultado com uma tendência na educação. (...) Na minha opinião, essa demissão é uma busca por resultado. (...) Esses acionistas que querem resultado saem daqui a pouco, pegam outra coisa e vão embora.” (Nada de novo, em 2008 a Estácio demitiu 600.)

Buscando resultados, os “çábios” da Estácio oferecem bolsas de estudo com até 50% de desconto, desde que os interessad­os paguem a primeira prestação antes de submeter o pedido à escola. Só depois é que saberão qual desconto que lhes será dado. Se um comerciant­e fizer coisa parecida numa Black Friday terá sua loja depredada.

Zaher lançou luz também sobre o programa de financiame­nto público federal, o Fies. Para quem não lembra, o Fies petista foi aquela festa que emprestava até mesmo a quem tirava zero na redação.

No ocaso do governo de Dilma Rousseff, o MEC passou a exigir uma nota mínima no Enem para os candidatos. Na ocasião, o doutor Gabriel Mario Rodrigues, presidente da Associação Brasileira das Mantenedor­as de Ensino Superior, classifico­u a providênci­a como “uma cagada”.

Zaher mostra o metabolism­o dessa indigestão que poderá custar R$ 500 bilhões ao Tesouro e neste ano está com 53% de contratos inadimplen­tes: “Quem acabou com o Fies foram os próprios donos das instituiçõ­es. Eles foram com muita sede ao pote. Em vez de fazerem com que o Fies cumprisse a função dele, que era social, de atender aquele aluno que não podia pagar, eles ofereceram para quem podia pagar. Para a escola era vantajoso passar no Fies. O governo fez muito bem em pôr ordem na casa.”

(Temer criou uma nova sistemátic­a para os financiame­ntos.)

Em 2014 a Estácio recebeu R$ 683 milhões da Viúva. Duas faculdades do grupo tinham 6.900 alunos no programa original. Com a festa esse número subiu para 39,9 mil.

Houve uma época em que se reclamava do “capitalism­o selvagem” de Pindorama. Os doutores da Estácio criaram o capitalism­o antropófag­o. Afinal, a tribo do índio que flechou o patrono comia gente.

Um dia vai-se saber quanto cada “çábio” ganhou de bônus no ano do massacre.

Capitalism­o selvagem é velho; universida­de gerida por papeleiros produziu capitalism­o antropófag­o

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