China se prepara para êxodo norte-coreano
Documento estatal vazado indica que Pequim criará campos de refugiados para o caso de guerra na península
Empresa de telecom avalia área a pedido de governo; movimento indica mudança de avaliação por chineses
Um distrito chinês na fronteira com a Coreia do Norte está construindo campos para refugiados com o objetivo de abrigar milhares de migrantes que poderão atravessar a fronteira se a crise na península coreana se agravar, mostra um documento do governo que aparentemente vazou da principal estatal de telecomunicações chinesa.
Três aldeias no distrito de Changbai e duas cidades em Jilin, província na fronteira nordeste, foram designadas para receber campos de refugiados, segundo o documento da China Mobile. O documento foi publicado na semana passada no Weibo, serviço de microblogs chinês.
A medida indica a admissão tácita pela China de que é cada vez mais provável que haja instabilidade na Coreia do Norte e que milhares de refugiados possam cruzar o rio Tumen, que separa os países.
Por décadas, a política chinesa com relação à Coreia do Norte teve como cerne preservar a estabilidade de um país vizinho conhecido pela repressão e instabilidade.
A despeito das sanções e da condenação internacional, porém, a Coreia do Norte intensificou nos últimos meses seu programa de testes de armas nucleares e mísseis, o que agrava o potencial de instabilidade interna ou de um ataque pelos EUA.
Lu Kang, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, disse a jornalistas na segunda (11) que não estava ciente de um plano para criar campos de refugiados, mas não negou sua existência: “Não vi relatórios a respeito”, afirmou.
As autoridades do distrito de Changbai não responderam a telefonemas na segunda, e um executivo da China Mobile em Changbai se recusou a falar sobre o assunto.
O documento da China Mobile informa que um executivo da empresa inspecionou cinco locais em 2 de dezembro último a pedido do governo distrital de Changbai. CINCO CAMPOS A empresa foi procurada para garantir que havia serviço viável de internet nas áreas que seriam usadas para criar os campos. “Porque a situação na fronteira entre a China e a Coreia do Norte se intensificou recentemente, o governo do distrito de Changbai planeja estabelecer cinco campos para refugiados em Changbai”, afirma a China Mobile no documento.
As áreas designadas para os campos de refugiados ficam em terras do Estado, e abrigos temporários já foram construídos em diversos locais, segundo um empresário local que pediu para ter seu nome omitido.
Três aldeias na região rural foram identificadas no documento como locais para campos. As cidades de Tumen e Hunchun também receberão refugiados, de acordo com o empresário.
Tumen e Hunchun há 20 anos recebem desertores norte-coreanos que conseguem escapar de seu país para a China. Muitos desses desertores saem da China para o Sudeste Asiático, e mais tarde para a Coreia do Sul.
A província de Jilin fica a cerca de 100 km de Punggyeri, o principal local de testes nuclear da Coreia do Norte. O medo de uma guerra ou um desastre nuclear a poucos quilômetros de distância vem causando ansiedade aos moradores da província.
Recentemente, o jornal “Diário de Jilin” publicou orientações aos moradores sobre como reagir em caso de explosão nuclear ou de contaminação radiativa na área.
Os conselhos incluíam lavar a poeira radiativa das porções expostas do corpo e dos sapatos, e tomar tabletes de iodo. A reportagem lembrava que, quando os EUA lançaram uma bomba atômica contra Hiroshima, no Japão, em 1945, mais de 70 mil pessoas morreram. As armas modernas são bem mais poderosas.
A China se recusou a impor sanções punitivas contra a Coreia do Norte por medo de causar um colapso que resultaria na chegada de legiões de refugiados ao economicamente vulnerável nordeste do país. Até o momento, Pequim resistiu a apelos para suspender suas entregas de petróleo à Coreia do Norte, o que poderia causar privações e levar grande número de norte-coreanos a cruzar a fronteira.
Ainda que a China não pareça ter mudado sua posição básica quanto a manter a estabilidade, a retórica cada vez mais hostil de Washington parece motivar preparativos de contingência.
O vice-chanceler Zheng Zeguang viajou para Washington na semana passada para debater o que autoridades chinesas descrevem como “o buraco negro do confronto” entre EUA e Coreia do Norte.
Ante a tensão crescente, um renomado especialista chinês em questões norte-coreanas definiu a criação de campos para refugiados como “totalmente razoável”.
“É altamente provável que aconteça um conflito entre a Coreia do Norte e os EUA, agora”, disse Zhang Liangui, professor de pesquisa estratégica internacional na Escola Central do Partido Comunista. “O que a China está fazendo, no caso, é se preparar para qualquer tipo de situação na península Coreana.”
Em outro sinal do agravamento das tensões, a Coreia do Sul anunciou que se uniria aos EUA e ao Japão em um exercício de rastreamento de mísseis lançados por submarinos norte-coreanos.
Em novembro, a Coreia do Norte testou um míssil balístico intercontinental que atingiu altitude maior e tempo de voo mais longo do que seus predecessores. Os norte-coreanos afirmaram que o míssil era capaz de atingir o território continental dos EUA com ogivas nucleares.
PAULO MIGLIACCI