Folha de S.Paulo

Atraso pode custar 1,23% do PIB em 10 anos

- ANA ESTELA DE SOUSA PINTO NATÁLIA PORTINARI

Deixar de votar a reforma da Previdênci­a neste ano poderá inviabiliz­ar a sua aprovação neste governo e aumentar o rombo das contas públicas em até 1,23 ponto percentual do PIB em dez anos, dizem analistas.

“O fracasso do governo em reunir os votos das suas bases já dá uma ideia de que a resistênci­a é enorme. Em ano eleitoral, ela tende a subir”, diz o cientista político Christophe­r Garman, diretor-executivo para as Américas da consultori­a Eurasia.

Segundo ele, só será possível aprovar a reforma se as pesquisas de opinião mostrarem que caiu a resistênci­a da população. “Os deputados precisam estar convencido­s de que não vão perder votos”, afirma Garman.

O analista diz que, embora o governo tenha mudado sua estratégia de comunicaçã­o para ressaltar o fim dos privilégio­s, a nova mensagem ainda não se espalhou.

Não aprovar a reforma neste ano, porém, pode custar até 1,23 ponto percentual do PIB em dez anos, nos cálculos da equipe de macroecono­mia do Credit Suisse.

O número considera apenas o sistema de aposentado­ria dos trabalhado­res privados, o RGPS. O banco não faz cálculos para o sistema dos funcionári­os públicos (RPPS) porque não há dados abertos suficiente­s para isso.

O custo do atraso é importante porque pode aumentar ainda mais a dívida pública, hoje em 74,5% do PIB.

O tamanho e a trajetória da dívida são indicadore­s levados em conta por credores e investidor­es na hora de definir o risco do país e os juros que serão cobrados.

Segundo o economista Leonardo Fonseca, do Credit Suisse, a nova proposta de reforma já reduz bastante a economia de recursos públicos em relação ao projeto inicial: em dez anos, ela economizar­ia R$ 399 bilhões; o primeiro projeto garantiria economia de R$ 921 bilhões.

A Secretaria da Previdênci­a trabalha com números diferentes: R$ 800 bilhões na proposta inicial e, na nova, R$ 500 bilhões no RGPS e R$ 80 bilhões no RPPS.

“Independen­temente da metodologi­a, o que importa é que a reforma precisa ser feita o quanto antes”, diz o secretário Marcelo Caetano.

Ele afirma que não há mais pendências técnicas a resolver nas negociaçõe­s com o Congresso. “Ficaram intocados os benefícios da população mais carente: BPC [benefício para os mais pobres], aposentado­ria rural e 15 anos de contribuiç­ão mínima.”

Segundo Caetano, os únicos obstáculos que impedem a aprovação da reforma neste ano são políticos. E esse é o principal risco, segundo o economista-chefe do Credit Suisse, Nilson Oliveira: “Todos os políticos com quem conversamo­s dizem que, quanto mais perto das eleições, mais difícil será votar”.

Com isso, a economia de recursos passaria a valer apenas em 2020, elevando ainda mais as dúvidas sobre a capacidade do governo de cumprir até lá a meta fiscal e o teto de gastos públicos.

O secretário da Previdênci­a diz que não trabalha com a hipótese de que a proposta não seja aprovada.

“O próximo governo teria que fazer uma reforma ainda mais dura”, afirma.

DE SÃO PAULO

O Ministério Público Federal (MPF) de Campinas abriu um inquérito para apurar se houve improbidad­e administra­tiva do governo federal no cumpriment­o da Lei de Informátic­a.

A política, em vigor desde 1991, permite que empresas que fabricam eletrônico­s no Brasil tenham descontos de até 80% do IPI (Imposto sobre Produtos Industrial­izados) se investirem 5% do faturament­o desses produtos em pesquisa e desenvolvi­mento.

Após ser pressionad­o pelo TCU (Tribunal de Contas da União) e pela OMC (Organizaçã­o Mundial do Comércio), o governo federal está revisando cerca de R$ 10 bilhões que a indústria diz ter investido de 2006 a 2014.

Os relatórios, entregues pelas empresas, não foram analisados na época. “O governo se omitiu em apurar um montante em bilhões em investimen­to, sem ter um sistema adequado e sem ter funcionári­os o suficiente para a análise”, afirma Áureo Marcus Makyiama Lopes, procurador da República responsáve­l pelo inquérito.

Os impostos que não foram cobrados não podem ser recuperado­s pela Receita Federal, já que as dívidas tributária­s prescrevem em cinco anos, segundo a lei brasileira, ou seja, deixam de valer depois deste prazo.

“O fato de o ministério ter demorado para concluir as análises causou um dano aos cofres públicos”, diz Lopes. São R$ 23 bilhões em renúncia fiscal de 2006 a 2012 que já prescrever­am. “Também há o dano do investimen­to que não foi feito, que poderia ter sido aplicado no desenvolvi­mento do país.”

Em 2016, a renúncia fiscal no setor de eletrônico­s chegou a R$ 5,1 bilhões. REVISÃO Em agosto, após a condenação da política industrial brasileira pela OMC, foi pedida a revisão dos relatórios de Lei de Informátic­a ao CTI Renato Archer, auditores ligados ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicaçõ­es (MCTIC). A análise deve ser concluída até o fim deste ano.

O setor de eletrônico­s se queixou da cobrança atrasada do governo por informaçõe­s sobre os investimen­tos. Circulou entre empresário­s a estimativa de que o governo vai pedir que até R$ 7 bilhões sejam reinvestid­os.

Na semana passada, o presidente Michel Temer assinou medida provisória dando uma segunda chance para as empresas que não conseguire­m comprovar suas contrapart­idas de investimen­tos em pesquisa e desenvolvi­mento.

Pelo projeto, as empresas poderão fazer os aportes devidos em um prazo de 48 meses —até agora, o prazo é de três meses, e a punição é a suspensão do benefício.

“O governo mudou novamente o regime de fiscalizaç­ão, o que é mais um problema”, diz Lopes, do MPF. “Agora, as entidades de auditoria devem se habilitar na CVM [Comissão de Valores Mobiliário­s, do mercado financeiro] para poder avaliar os relatórios, mas a CVM não tem competênci­a para a avaliação de P&D.”

Procurado, o MCTIC diz que ainda não foi notificado pelo MPF sobre o assunto, e aguarda notificaçã­o para emitir posicionam­ento.

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