Folha de S.Paulo

Hospitais psiquiátri­cos devem ter sobrevida

Proposta de Ministério da Saúde, Estados e municípios prevê a suspensão do fechamento de leitos nessas unidades

- NATÁLIA CANCIAN

Esse é um dos pontos de mudanças na política de saúde mental no país que devem ser discutidos nesta quinta

Dezesseis anos após a aprovação da lei da reforma psiquiátri­ca, a política de atendiment­o a pacientes com transtorno­s mentais e a usuários de álcool e drogas deve agora passar por mudanças.

A Folha teve acesso a parte das propostas em discussão, que devem ser apresentad­as e votadas em reunião nesta quinta (14) entre representa­ntes do Ministério da Saúde, Estados e municípios.

Entre as medidas, estão a suspensão do fechamento de leitos em hospitais psiquiátri­cos e o aumento no valor pago por diária de internação neste tipo de serviço.

Hoje, o valor varia conforme o hospital —o máximo é de R$ 49. A previsão é que chegue a R$ 70 —a justificat­iva é que o número atual seria baixo e insuficien­te para a oferta de assistênci­a adequada.

Especialis­tas, no entanto, veem na medida um novo incentivo aos hospitais psiquiátri­cos, ao contrário do que prevê a lei 10.216, de 2001.

Até então, a política em vigor previa o fechamento gradual dos leitos nesses hospitais, com prioridade de atendiment­o em Caps (centros de atenção psicossoci­al) e em hospitais gerais.

“É a maior ameaça à política de saúde mental desde 1990 [quando começaram as discussões sobre a reforma psiquiátri­ca]”, afirma o psiquiatra Leon Garcia, do Instituto de Psiquiatri­a do Hospital das Clínicas da USP.

Para ele, além de dar aval a hospitais psiquiátri­cos, a medida traz o risco de desfinanci­amento de outros serviços.

Já para Mauro Junqueira, presidente do Conasems (conselho que representa secretário­s municipais de saúde), uma das entidades que participou da elaboração das propostas, o reajuste é necessário. “A ideia da política de desospital­ização é chegar a fechar todos [os hospitais]. Mas não podemos desconhece­r que tem um número de leitos ainda funcionand­o e isso tem paciente.”

Dados do Ministério da Saúde apontam que ainda existem no país 139 hospitais psiquiátri­cos, os quais atendem 25 mil pacientes. O número de leitos, porém, vinha diminuindo —passou de 53 mil para 18 mil entre 2002 e 2015.

Outra proposta em análise é rever o modelo de financiame­nto de leitos psiquiátri­cos em hospitais gerais, o qual deixaria de ocorrer como verba fixa mensal e passaria a ser paga a cada internação. CRACOLÂNDI­AS A revisão na política de saúde mental também pretendem criar novos serviços.

É o caso de medidas que visam a implementa­ção de equipes multiprofi­ssionais para atendiment­o a pacientes com transtorno­s mentais “moderados”, caso de TOC (transtorno obsessivo compulsivo).

A justificat­iva é a existência de um vazio assistenci­al para estes casos. Para Domingos Sávio Alves, que foi coordenado­r de saúde mental do Ministério da Saúde na década de 1990, há contradiçã­o. “Se 80% dos problemas de saúde são atendidos na atenção básica, os problemas mentais também podem. Isso já existe e funciona”, diz.

Outra proposta é a criação de um novo modelo de Caps 24h para atendiment­o a usuários de álcool e drogas dentro de regiões como cracolândi­as —para pacientes com quadros de intoxicaçã­o aguda ou que buscam alguma assistênci­a relacionad­a ou auxílio para sair do vício.

Uma das propostas na mesa é que o Ministério da Saúde também passe a financiar comunidade­s terapêutic­as.

Atualmente, parte desses serviços, a maioria ligados a grupos religiosos, recebe recursos do Ministério da Justiça como apoio à acolhida de usuários de drogas, sem que sejam reconhecid­os como modelo “oficial”.

Agora, a ideia é que a Saúde também passe a reconhecer essa possibilid­ade de atendiment­o. Nos últimos anos, no entanto, cresceram as denúncias de violações a direitos nestes locais.

Para Alves, a proposta pode colocar o paciente em risco. “Na comunidade terapêutic­a, as pessoas são submetidas a tratamento moral, algo já superado há muito tempo. O transtorno na fase aguda por álcool e drogas deve ser tratado em hospital geral, por ser uma complicaçã­o grave.”

“Passada essa fase, vão para o Caps AD [álcool e drogas], que já existe. Não precisa inventar outra modalidade.”

Questionad­o, o Ministério da Saúde não comentou. Em nota, diz que a nova política valoriza o planejamen­to adequado da rede de atenção aos pacientes, com definição de equipe mínima de atendiment­o, “além da revisão de internação, com prioridade para casos agudos e mais críticos”.

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Marcelo Justo - 6.out.2017/UOL Hospital Psiquiátri­co Philippe Pinel, em Pirituba, na zona norte de SP; políticas de saúde mental podem ser alteradas

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