Folha de S.Paulo

CRÍTICA Novo filme resgata grandiosid­ade de ‘Star Wars’

‘Os Últimos Jedi’ recicla mitologias da saga, desenvolve novos personagen­s e borra fronteiras entre o bem e o mal

- CÁSSIO STARLING CARLOS

FOLHA

Trinta anos depois de George Lucas ter, com o primeiro “Guerra nas Estrelas”, “reinventad­o” um molde de filmes de que Hollywood depende cada vez mais para dominar o mundo, a saga “Star Wars” precisa enfrentar a questão: como se manter à frente dessa concorrênc­ia tão pesada?

“Os Últimos Jedi” busca solucionar o desafio com um arsenal de recursos que acompanha a saga desde as origens, que a define e a torna inconfundí­vel a milhões de fãs.

A reciclagem de temas, tipos, valores, referência­s e ações é uma chave do culto —junto, claro, da eficiência de marketing da Lucasfilm na manutenção do fenômeno.

Tal como “O Despertar da Força” (2015), o novo longa se baseia numa lógica de “relaunch”, de reiniciali­zação da própria mitologia para brilhar com luz própria na galáxia blockbuste­r, ocupada por objetos muito parecidos.

Não era difícil reconhecer no filme de 2015 linhas narrativas, uma protagonis­ta que emulava o do original de 1977 e combates, duelos e manobras espetacula­res que recuperava­m o espírito da primeira trilogia, depois da retomada morna sob a condução de George Lucas nos episódios 1,2e3.

Agora, a reciclagem se expande a outras camadas, de modo a nunca se confundir com repetição. O confronto entre os dois lados da Força, por exemplo, é reinventad­o, deixando de lado a mera oposição entre o bem e o mal.

Afinal, “mocinhos e bandidos são palavras inventadas”, como DJ (Benicio Del Toro) deixa claro pouco antes da sequência mais monumental do filme. É como se a saga olhasse no espelho para identifica­r o que nela se preservou e o que é preciso recuperar.

Luke Skywalker, o velho herói, e Kylo Ren, o novo vilão, carregam em suas faces essa dupla natureza.

A feição sobrecarre­gada de Mark Hamill mostra que até os mocinhos perdem o viço. A cicatriz no rosto de Adam Driver acentua mais que o lado mau do personagem, indica também um trauma original, uma ferida que abre dúvidas, lança sombras sobre a narrativa.

Em vez de “nova esperança”, agora o sentimento predominan­te é negativo, de derrota e esgotament­o das forças.

Outro recurso que o novo longa reutiliza é o princípio de continuida­de tão comum na

(e não passar vergonha com amigos geeks)

ficção seriada contemporâ­nea. O gancho da reaparição de Luke Skywalker na cena final do filme anterior funciona aqui como a primeira isca, e boa parte da trama se concentra nos desdobrame­ntos do encontro de Rey e Luke.

Enquanto “O Despertar da Força” tinha de se concentrar na apresentaç­ão de novos personagen­s e na reintroduç­ão dos antigos, “O Último Jedi” ganha espaço para o desenvolvi­mento daqueles, que permanecem como ecos, como desdobrame­ntos das figuras arcaicas que surgiram a partir do filme de 1977.

Numa cena fundamenta­l, Rey encontra-se face a espelhos que se replicam ao infinito, imagem que representa tanto a duplicidad­e que ela enfrenta como a estrutura da própria saga, com seus laços rompidos entre pais e filhos e os dois lados, opostos, mas complement­ares, da Força.

Sem deixar de lado a alta voltagem das cenas de ação, “Os Últimos Jedi” é, ao lado de “O Império Contra-Ataca” (1980), o filme mais ambicioso da saga, uma demonstraç­ão de que o máximo de ilusão e de entretenim­ento de um blockbuste­r não existe apenas para aniquilar neurônios. (STAR WARS: THE LAST JEDI) DIREÇÃO Rian Johnson ELENCO Daisy Ridley, John Boyega PRODUÇÃO EUA, 2017, 12 anos QUANDO estreia nesta quinta (14) AVALIAÇÃO ótimo

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