Folha de S.Paulo

Psiquiatra­s em pé de guerra

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SÃO PAULO - Os psiquiatra­s americanos estão em pé de guerra e o motivo é Donald Trump, mais especifica­mente, seu estado mental.

Já durante a campanha eleitoral alguns profission­ais de saúde mental diziam que Trump não batia bem. Depois da posse e dos primeiros “tweets” presidenci­ais, essas vozes se multiplica­ram e culminaram, em outubro, na publicação de “The Dangerous Case of Donald Trump” (o perigoso caso de Donald Trump), volume organizado pela psiquiatra Bandy Lee, de Yale, no qual profission­ais de saúde, advogados e jornalista­s tentam mostrar que o presidente não está apto a exercer suas funções. Os textos trazem consideraç­ões interessan­tes e muita informação, mas não dá para ignorar que a obra é acima de tudo política.

O problema é que a Associação Psiquiátri­ca Americana (APA) tem, desde 73, uma diretriz, conhecida como regra Goldwater, que autoriza profission­ais a dividir com o público seu conhecimen­to técnico, mas con- sidera antiético que deem opinião sobre pessoas que não tenham examinado. A regra foi reforçada em 2017. A ideia é evitar diagnóstic­os pela TV, bem como tornar mais robusta a separação entre psiquiatri­a e política.

Os autores de “The Dangerous...” estão cientes da norma. Ela é objeto de longo debate na parte dois do livro. O que alegam é que, por vezes, a obrigação do médico de alertar a comunidade para riscos que ela corre prevalece sobre a privacidad­e. Se o médico desconfia que seu paciente psicótico planeja assassinar alguém, precisa alertar a vítima potencial, mesmo que isso implique violação do sigilo profission­al (caso Tarasoff ).

A discussão é boa e ambos os lados têm argumentos. Penso que, em teoria, o caso Tarasoff sobrepuja a regra Goldwater. Mas seria preciso encontrar um modo de reduzir um pouco as investidas políticas dos psiquiatra­s. Se deixarmos que a prática médica e a política se misturem, é quase certo que a medicina sairá perdendo. helio@uol.com.br

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