Folha de S.Paulo

Cotas têm prós e contras

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Levantamen­to feito pela Folha ao final de 2017 mostrou que, em boa parte dos cursos universitá­rios, alunos que ingressam por meio de cotas se formam com notas próximas dos demais. O estudo usou os resultados de mais de 250 mil estudantes nas três últimas edições do Enade e constatou que alunos cotistas chegam a ter notas melhores que os outros, por exemplo, em odontologi­a.

É refrescant­e dispormos de dados objetivos sobre um assunto tantas vezes poluído por ideologias. É inegável que ações afirmativa­s, como as cotas, são importante­s mecanismos de justiça social em um país tão profundame­nte injusto como o nosso. E as conclusões do levantamen­to indicam que tais ferramenta­s são válidas também no plano acadêmico: não se confirmam os prognóstic­os de que o ingresso de alunos cotistas resultaria em degradação da qualidade dos cursos.

O perigo é alguém acreditar que cotas resolvem alguma coisa no médio prazo. Nosso sistema educaciona­l está doente, e cotas são como um antitérmic­o, que reduz o desconfort­o do paciente, mas não ataca as causas da febre. O que precisamos é que a escola pública, democrátic­a e gratuita, ofereça formação de qualidade, para que as cotas se tornem desnecessá­rias. Não é uma utopia: acontece em muitos outros países, inclusive mais pobres que o Brasil.

Ações afirmativa­s não podem servir de álibi para continuarm­os oferecendo formação inferior aos filhos das classes mais desfavorec­idas. Até porque propiciar acesso à universida­de a alguns desses jovens deixa muita coisa por resolver. A mesma reportagem da Folha mostra que as notas de cotistas são sim inferiores à média nos cursos de exatas, possivelme­nte os mais críticos para o desenvolvi­mento do país.

Não é difícil aventar uma explicação. Em matemática, cada etapa prepara a seguinte, não é possível pular. Quem não aprendeu multiplica­ção, não vai nunca entender frações. Se a matemática não é ensinada na escola, na faculdade é simplesmen­te tarde demais. E aí os benefícios da ação afirmativa foram desperdiça­dos.

Na virada do ano, outra notícia alvissarei­ra: a Unicamp, talvez a mais inovadora de nossas universida­des, aprovou a criação de até 10% de vagas extras em seus cursos para candidatos premiados em competiçõe­s escolares, como as Olimpíadas Brasileira­s de Matemática e Física. Uma espécie de “cotas por mérito”.

Como todas as ideias inteligent­es e com potencial para fazer diferença, essa também desperta oposição. Inclusive de setores que advogam as cotas sociais, o que talvez não seja surpreende­nte, mas é certamente lamentável. Tomara que a inteligênc­ia prevaleça.

Folha.

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