Folha de S.Paulo

Picardia e elegância

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RIO DE JANEIRO – Carlos Heitor Cony —que durante mais de 25 anos ocupou este espaço— era um mestre das sacadas. Para ele, um antigo anúncio do Mate Leão em cima de um edifício de esquina na rua Mariz e Barros, na praça da Bandeira, funcionava como marco divisor: ali começa a zona norte da cidade.

Um território que, por seus costumes e modas, opõe-se além da geografia à zona sul. Esta, em teoria, é rica e sofisticad­a, privilegia­da pelas autoridade­s, bonita por natureza. Longe do mar, a outra banda tem pobreza e gente brega, sofre preconceit­o, os políticos só dão as caras em época de eleição. Na verdade os dois mundos se parecem, confundem-se e confluem, por força da convivênci­a. A picardia de um completa a elegância do outro.

De uns tempos a esta parte —para usar uma expressão antiga e a gosto de Lima Barreto, o escritor por excelência dos subúrbios cariocas—, a zona sul vem se “apropriand­o” de práticas da zona norte. Em Laranjeira­s, síndicos de 40 prédios, sem consultar os moradores, decidiram apelar para a segurança privada. Guaritas e cancelas há muito tempo são comuns nas ruas de Coelho Neto, Rocha Miranda, Honório Gurgel. E quando faliu uma empresa de ônibus responsáve­l por 20 linhas que circulavam até o Centro, a zona sul se viu invadida pela bandalha das vans, velha conhecida de quem vive do outro lado do túnel.

Uma página no Facebook (tinha de ser!) prega em manifesto a separação entre as regiões: “Nós, zona sulenses (sic), temos cultura própria”. Intitulada “Zona Sul é o Meu País”, prevê a criação da República da Guanabara, formada por Leblon, Ipanema, Lagoa, Gávea e Jardim Botânico —nenhum deles banhados pela baía de Guanabara.

Se a ideia de jerico der certo, o que farão os moradores do Flamengo, Urca, Botafogo, Laranjeira­s, Cosme Velho? Vão aderir à zona norte? MARCELO VIANA MARCOS LISBOA

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