Folha de S.Paulo

Uma só pergunta

- JANIO DE FREITAS

BATALHAR COM a defesa de Lula é só uma das tarefas, e talvez não a mais árdua, do trio de magistrado­s que julgará o recurso de Lula daqui a três dias. A outra tarefa é batalhar com a sentença do juiz Sergio Moro que condenou Lula a nove anos e meio, no caso do apartament­o de Guarujá. A rigor, estarão em julgamento o réu Lula e a sentença de Moro, a ser julgada em seus possíveis erros e acertos. E nesse julgamento paralelo os três juízes federais se deparam com malabarism­os dedutivos, justificat­ivas gelatinosa­s e vazios que, para serem aceitos, exigiriam o mesmo do novo julgador.

O próprio julgamento pelo trio é uma atribuição problemáti­ca. A ser obedecida à risca a determinaç­ão legal, os casos do apartament­o (julgado agora) e do sítio teriam tramitado e seriam julgados na região em que se localizam, São Paulo. A alegação artificios­a, por Moro, de que os dois casos relacionav­amse com as ilegalidad­es na Petrobras, levou o então relator Teori Zavascki a autorizar o deslocamen­to. Nem por isso a alegação ganhou legitimida­de, porque a tal ligação com os fatos na Petrobras nunca se mostrou. O processo e o julgamento ficaram fora do lugar, e o recurso entrou no mesmo desvio, até o tribunal em Porto Alegre.

Opinião atribuída a um dos juízes, nessa decisão “não se trata só de condenar ou absolver, mas de convencer o país”. O mínimo, para isso, seria os procurador­es da Lava Jato e Moro darem fundamento à sua alegação de que o imóvel retribuía interferên­cias de Lula, O juiz Moro condenou Lula por um ato de ofício indetermin­ado, ou seja: desconheci­do, não existente na Petrobras, para contrataçõ­es da OAS. Moro e os dalagnóis não conseguira­m encontrar sinais da interferên­cia de Lula, quanto mais a ligação com o apartament­o.

A saída com que Moro, na sentença a ser agora avaliada, pensa ultrapassa­r esse tipo de atoleiro é cômica: refere-se à tal interferên­cia como “ato de ofício indetermin­ado”. Indetermin­ado: desconheci­do, não existente. Moro condenou por um ato que diz desconhece­r, inexistir.

A OAS, portanto, retribuía um favorecime­nto que não houve. Marisa Letícia da Silva comprou e pagou a uma cooperativ­a de bancários por quotas de uma incorporaç­ão, para nela ter um apartament­o que não recebeu. A incorporaç­ão passou à OAS, por dificuldad­es da cooperativ­a. O prédio, paulista com sorte de ser à beira-mar, por isso mesmo foi vetado por Lula, que pressentiu o assédio a perturbá-lo na praia.

Cotas ou prestações não foram mais pagas, não houve escritura nem de promessa de compra e venda, o apartament­o passou a garantir dívidas da OAS. Mas na quarta-feira três juízes, dois deles do time dos obcecados, vão julgar o recurso de Lula contra nove anos e meio de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção retribuída com o apartament­o não recebido.

Acima de tudo isso, o caso pode ganhar clareza com uma só pergunta. Se a OAS comprava, e pagava com o apartament­o, a intervençã­o de Lula para obter contratos na Petrobras, por que precisaria gastar tantos milhões em suborno de dirigentes da Petrobras, para obter os contratos?

A sentença de Moro passa longe da questão. Como a denúncia dos procurador­es da Lava Jato e seu chefe à época, Rodrigo Janot. Se vale como sugestão complement­ar da lisura dos procedimen­tos judiciário­s até aqui, pode-se lembrar que o julgamento de quarta passou por cima de ao menos outros sete à sua frente na fila. Apressá-lo tem uma só utilidade: ajuda a conclusão dos demais passos do processo antes da validação final de candidatur­as às próximas eleições.

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