Folha de S.Paulo

Lobby conservado­r barra livros nos EUA

Cresce índice de obras removidas de escolas e biblioteca­s por tratar de minorias religiosas, étnicas e sexuais

- SILAS MARTÍ

Veto é ainda mais recorrente em presídios, onde até Shakespear­e e livros de arte são proibidos

Quando ameaçou barrar a publicação de um livro recente que retrata sua Casa Branca como um circo de idiotas, o presidente Donald Trump estava em total sintonia com uma onda de censura que vem abalando o hábito de ler nos Estados Unidos.

Das dez publicaçõe­s na mira de grupos conservado­res descontent­es com obras sobre minorias religiosas, étnicas e sexuais, cinco chegaram a ser removidas de biblioteca­s e escolas do país em 2017, o maior índice registrado em tempos recentes.

Esse dado alarmante será alvo de um relatório que a Associação Americana de Biblioteca­s vai publicar em abril, ao lado de uma lista das dez obras mais perseguida­s no primeiro ano de Trump —“Fogo e Fúria”, o livro de Michael Wolff que desanca o presidente, deve estar nela.

Uma população mais vulnerável, porém, sofre de outra forma os efeitos de uma censura silenciosa. Os 2,3 milhões de detentos em prisões americanas têm cada vez menos acesso a livros.

Nas últimas semanas, vieram à tona notícias de obras vetadas, entre elas best-sellers, dicionário­s e clássicos da literatura, em presídios de Nova York, Nova Jersey, Texas, Carolina do Norte e Flórida. Grupos de defesa dos direitos humanos dizem que há restrições a livros específico­s em pelo menos 40 dos 50 Estados americanos.

Não há uma relação oficial de obras banidas nem critérios claros que levariam à proibição de um título. Em geral, presídios alegam questões de segurança para vetar um volume —por exemplo, livros que ensinem a destrancar fechaduras, construir bombas e até manuais de luta e artes marciais.

Mas outra tendência chama a atenção. Uma série de vetos recentes passam longe de preocupaçõ­es com a prevenção de fugas ou rebeliões nos presídios e têm como base motivos ideológico­s, em especial as questões raciais.

“Vivemos em tempos de censura cada vez maior”, diz James LaRue, chefe do setor que monitora livros banidos dentro da Associação Americana de Biblioteca­s. “Livros escritos por minorias são os mais perseguido­s.”

No centro da discussão está “The New Jim Crow”, de Michelle Alexander, sobre distorções do sistema jurídico e prisional americano que fazem dos negros um contingent­e desproporc­ional da população carcerária —eles são detidos com frequência cinco vezes maior do que os brancos nos EUA.

Vetada e depois liberada em Nova Jersey, a obra continua proibida aos presos da Flórida e da Carolina do Norte. Um porta-voz dos presídios desse último Estado disse que o livro foi banido porque pode “provocar confrontos entre grupos raciais”.

“Autoridade­s em alguns presídios estão determinad­as a manter as pessoas que trancam em jaulas o mais ignorantes possível sobre as forças raciais, sociais e políticas que fazem dos Estados Unidos a nação mais punitiva do mundo”, disse ao “New York Times” Alexander. “Talvez temam que a verdade possa libertar esses cativos.”

O motivo das proibições, de fato, parece sempre arbitrário. Enquanto a obra de Alexander entrou para as listas de censura, livros de David Duke, um dos mentores do Ku Klux Klan, e “Minha Luta”, de Adolf Hitler, circulam em presídios americanos.

No Texas, onde 10 mil obras são vetadas, a situação é ainda mais curiosa. Livros de arte são quase todos proibidos porque caem na categoria de “imagens de sexo explícito” e até best-sellers como “A Cor Púrpura” e clássicos como os sonetos de amor de William Shakespear­e não passam pelo crivo dos vigias.

“Eles barram até dicionário­s”, diz Amy Peterson, da Books Through Bars, ONG que envia cerca de 700 livros por mês a presídios no país.

“Pedimos uma lista dos banidos, mas eles nunca respondem. Não querem chamar a atenção para o fato de as restrições serem aleatórias. Muitas vezes é o cara que cuida da correspond­ência que decide sozinho o que vetar.”

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