Folha de S.Paulo

Explosões de fúria e caos na Casa Branca são normais

- NIALL FERGUSON

“Uma vez Trump entrou no Salão Oval com um jornal dobrado em quatro mostrando alguma reportagem baseada em informação vazada da Casa Branca. ‘Que merda é essa?’, Trump gritou. Explosões de raiva presidenci­ais eram comuns, mas Trump com frequência ficava repisando um incidente, gritando por tempo demais antes de se acalmar.”

“Uma coisa que os assessores de Trump diziam, brincando, é que era melhor errar feio que cometer uma série de equívocos diários menores, já que Trump se identifica­va com uma c... federal, homérica.”

“Os problemas da Casa Branca (...) eram organizaçã­o e disciplina. Muitas vezes, o estafe parecia um time de futebol formado por crianças de dez anos.”

Você deve estar pensando —e eu não o culpo— que já leu mais que o suficiente sobre o explosivo best-seller “Fogo e Fúria”, de Michael Wolff, cuja tese principal (a de que o presidente Donald Trump é um adulto infantil retardado) ganhou novo reforço graças à boca suja e aos tuítes do próprio.

Na realidade, essas três citações são de outro livro sobre o primeiro ano no cargo de outro presidente: “The Agenda: Inside the Clinton White House”, que Bob Woodward publicou em 1994. Apenas troquei o sobrenome do presidente.

Um tema recorrente em “The Agenda” é o mau humor explosivo de Bill Clinton. Seu porta-voz, George Stephanopo­ulos, disse a Woodward que “viu e sofreu as explosões de raiva de Clinton [...] muitas vezes [...] Outros as chamavam de ‘ataques roxos’ ou ‘terremotos’. Stephanopo­ulos as chamava simplesmen­te de ‘a onda’, um acesso de cólera prolongado e avassalado­r que chocava pessoas de fora e frequentem­ente era totalmente desproporc­ional àquilo que o motivara”.

Sabemos, graças a Wolff, que Trump também é capaz de ter “acessos de raiva”.

“Geralmente, começavam como uma espécie de exagero ou faz de conta, e então se convertiam na coisa real: uma explosão de raiva incontrolá­vel que fazia as veias saltarem e o deixava com o rosto feio. Virava uma coisa primal.”

E: “Em alguns pontos do espectro de fatos políticos adversos do dia, ele era capaz de ter momentos de algo que praticamen­te todos admitiriam ser irracional­idade. Quando isso acontecia, ele se isolava em sua cólera e não podia ser abordado por ninguém”. Isso, escreve Wolff, foi “a inovação fundamenta­l de Trump no governar: explosões regulares e descontrol­adas de raiva e irritação”.

Não. O Twitter ainda não tinha sido inventado em 1993, de modo que os acessos de raiva de Clinton eram limitados ao círculo estreito de pessoas que o cercavam.

O que estou querendo dizer não é que Clinton é como Trump, é claro. É que a Presidênci­a é capaz de enfurecer mesmo o melhor dos homens. Mostre-me uma biografia presidenci­al, e eu lhe mostrarei erupções de fúria —com algumas poucas exceções notáveis. No entanto, cada biógrafo presidenci­al comete o erro de apresentar isso como uma caracterís­tica importante da personalid­ade de seu biografado, em vez de entender que é estrutural: o cargo é inerenteme­nte enlouquece­dor.

Assim, deixemos a questão da personalid­ade de lado por um instante e considerem­os uma interpreta­ção estrutural dos últimos 12 meses. Arrisco-me a aventar a ideia que a maioria das Presidênci­as têm as seguintes caracterís­ticas em seu primeiro ano. A Casa Branca opera como uma corte real no tempo de Shakespear­e —analogia sugerida a Wolff por Steve Bannon, mas que não é nova. O presidente é o ponto focal; o acesso a ele confere poder.

Em seus primeiros 12 meses no cargo, porém, o presidente é um noviço poderoso. As pessoas que ele nomeia para cargos-chave muitas vezes também são novatas.

Independen­temente da personalid­ade do presidente, as administra­ções Clinton e Trump tiveram as cinco seguintes caracterís­ticas em comum em seu primeiro ano:

1) uma transição dolorosa de pessoal, de assessores da campanha para profission­ais de Washington;

2) devido à cooperação fraca com o Congresso, o fracasso da reforma da saúde e uma vitória na questão dos impostos conquistad­a com dificuldad­e (aumento dos impostos no caso de Clinton, redução no caso de Trump);

3) uma fixação sobre um mercado financeiro específico como medida do sucesso do governo (o mercado de títulos no caso de Clinton, o

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