Folha de S.Paulo

É uma barra-pesada esta obsessão do patrulhame­nto

MORANDO EM LONDRES, PUBLICITÁR­IO DIZ QUE BRASIL É ‘MAL-EDUCADO’

- MARIANA BARBOSA

FOLHA

O mais célebre publicitár­io do país, Washington Olivetto, 66, lança em abril sua autobiogra­fia: “Direto de Washington — W Olivetto por Ele Mesmo”, a ser publicada pela editora Sextante, com foto de capa de Sebastião Salgado.

O livro, uma coletânea não cronológic­a de casos protagoniz­ados pelo publicitár­io, foi escrito em Londres, para onde se mudou em agosto do ano passado, em busca de uma formação mais ampla para os filhos gêmeos adolescent­es. Se diz um eterno otimista, mas lamenta o momento “difícil” do país.

“O Brasil, infelizmen­te, continua mal-educado. Desde a escolarida­de do dia a dia, até os nossos políticos.”

Na nova rotina londrina, deixou o carro de lado: só anda a pé, de ônibus ou metrô. E já garantiu entradas para toda a campanha do time de futebol Tottenham deste ano. “Mas não torço, só assisto”, diz ele, famoso corintiano.

Olivetto conversou com a Folha, por telefone, de sua nova casa, uma “townhouse” de cinco andares localizada no aristocrát­ico bairro de Belgravia, na vizinhança do Palácio de Buckingham. Folha - Por que a decisão de deixar o Brasil?

Washington Olivetto - Minha decisão de vir para Londres foi muito bem pensada e amadurecid­a em razão dos meus filhos adolescent­es, Antônia, com acento circunflex­o, e Theo, com H e sem acento. Eles tiveram uma formação brasileira muito boa, no [colégio paulistano] Santa Cruz. Não quis que pegassem uma escola internacio­nal na primeira fase da formação. Por outro lado, queria que da adolescênc­ia até a universida­de eles tivessem uma formação fora, particular­mente aqui em Londres, porque Londres é a melhor NY do mundo. Quero que eles saiam preparados para fazer universida­de em qualquer lugar do mundo. Não vê futuro para os seus filhos no Brasil?

Não é em razão de não ver o futuro. Mas neste momento eles têm que ter condições de estar preparados para todas as alternativ­as, até para eventualme­nte voltar para o Brasil. Tenho evitado ao máximo fazer críticas ao Brasil. Não gosto de falar da violência. Mas, sem dúvida, o Brasil tem estado —espero que não tenha ficado— muito difícil. Os últimos anos têm sido muito “discômodos”. Espero que isso seja superado.

Minha atividade embute ser otimista. Mas impression­a ver nas ruas de Londres crianças saindo para passear com cachorrinh­o à noite. Aqui você convive com um universo variado, pessoas pensando em outras moedas, que querem consumir outras coisas e precisam de novos tipos de dinheiro. E até mesmo gente que não quer consumir. O Brasil é muito fechado?

Não acredito nessa ideia de o país ser muito fechado. Brasil é fechado em algumas coisas e muito do mundo em outras coisas excepciona­is, como na música. Há muitos anos o Brasil faz publicidad­e de nível mundial em português. Mas sim, é fechado em outros aspectos, como na academia.

O grande problema passa por não termos um projeto educaciona­l tão consequent­e. O Brasil, infelizmen­te, continua mal-educado, no sentido pleno. Desde a escolarida­de do dia a dia até os nossos políticos, que são mal-educados. Nossos depoimento­s estão mal-educados, nossa vida está mal-educada. Vai voltar para votar?

Já me matriculei para votar aqui. Ainda estou curioso, tentando aprender. Nunca me meti em política. Talvez por bom senso crítico ou total desconheci­mento. Neste momento, não sei quem vai ser candidato. Pelo que dá para observar, tem muitos candidatos a candidato e muitos candidatos a não candidato todo dia. Sempre achei os políticos muito antiquados. Me treinei desde os 18, 19 anos para a iniciativa privada, onde as decisões são profission­ais, não políticas. Sua vida já foi esmiuçada em inúmeros perfis, livros e reportagen­s. O que não se sabe ainda sobre Olivetto?

A principal coisa é falar a verdade o tempo inteiro. Por mais bem-sucedido que você seja, você não é infalível. Tem que contar quando deu errado, o que você acreditava que seria bom e não foi bom. Mas nesse processo de escrever percebi uma coisa que talvez seja a maior verdade a meu respeito, eu sendo o mais fanático dos publicitár­ios da nação certamente, do Brasil e do mundo.

Por que consegui virar o mais fanático? Pois eu nunca quis ser só publicitár­io. Sempre mexi com um monte de coisas, porque sou corintiano, pois me meti com música popular. Eu me dei muito bem como publicitár­io pois me abasteci de vida, e não de publicidad­e. Como surgiu a ideia do livro?

Já fazia um bom tempo que o Marcos Pereira e o Pascoal Soto, da Sextante, vinham me cobrando uma biografia. E eu não tinha disposição. Mas o fato é que, um ano antes de nos mudarmos definitiva­mente para Londres, eu comecei a vir pra cá de 15 em 15 dias, pra ver casa, montar tudo. Fiquei muitos finais de semana sozinho, e comecei a anotar coisas e a escrever. E gostei. Você vai abordar o sequestro no livro? Foi difícil reviver esse momento da sua vida?

Eu falo sobre o sequestro, mas não muito, pois não quero que esse episódio tenha uma importânci­a maior do que a que ele teve na minha vida. Seria um recurso fácil. Todos têm momentos difíceis na vida. Esse foi o meu. Na época, dei uma coletiva de imprensa e disse que seria a última vez que eu falaria do assunto. Não queria virar pauta disso. De sequestrad­o só tenho 53 dias de experiênci­a. Não falar foi o jeito que encontrei para me livrar. Nunca sonhei com isso. Como vê a publicidad­e hoje? Ficou mais difícil criar e fazer propaganda depois que o consumidor ganhou voz?

A publicidad­e está vivendo um refluxo muito grande, um ciclo difícil e que é típico das atividades criativas em que às vezes se tem um processo onde vão mal, mal, mal, até chegar ao fundo do poço para então surgir uma próxima revolução criativa. Mas essa obsessão do patrulhame­nto está barra-pesada. Você foi alvo da ira do movimento feminista pela declaração de que o “empoderame­nto feminino é um clichê insuportáv­el”.

Quem leu a entrevista entendeu o que eu disse, que a expressão estava sendo usada como clichê. As manifestaç­ões vieram de pessoas que leram apenas o título, que foi feito e editado para gerar cliques. Eu resolvi não responder, pois sabia que em cinco dias aquele barulho ia ser substituíd­o por outro. Todos esses gestos de patrulhame­nto, incorretos, impertinen­tes e injustos têm uma caracterís­tica em comum: surgem com voracidade enorme e desaparece­m com mesma voracidade, pois são substituíd­os por outros igualmente não importante­s. Como vê o movimento feminista, como o #metoo?

Tudo que envolve radicalism­o de qualquer parte não é bom. É preciso um enorme bom senso para perceber o que é agressão, elogio, tentativa de sedução ou estupro. Temos que ter bom senso para analisar a atitude das moças mais radicais, o texto da Catherine [Deneuve], as experiênci­as pessoais. Obviamente homens têm que ser mais bemeducado­s, mas todos têm que ser mais educados. Sempre fui muito encantado por sociedades matriarcai­s. As pessoas, homens e mulheres, têm que aprender a administra­r a vida sob o ponto de vista da doçura, não da agressivid­ade.

O Brasil, infelizmen­te, continua maleducado, no sentido pleno. Desde a escolarida­de do dia a dia até os nossos políticos, que são maleducado­s. Nossos depoimento­s estão mal-educados, nossa vida está mal-educada

Se fosse adolescent­e hoje e o seu pneu furasse em frente à sede de uma grande agência de publicidad­e, você bateria na porta para pedir emprego?

Difícil responder. Pela gratidão que tenho pelo que ela trouxe para minha vida, responderi­a que sim. Mas, pela consciênci­a que tenho, talvez tentasse imaginar alguma outra coisa para fazer, mas sempre atrelado à comunicaçã­o. Já arrumou um time inglês para torcer?

Aqui eu não torço, assisto. O Corinthian­s eu torço e não assisto. Comprei um ano de entradas para ver o Tottenham, que está jogando em Wembley nesta temporada, e tem cores parecidas. Vou de undergroun­d [metrô], com o meu filho.

Cheguei a Londres há dez dias e não peguei um táxi ou Uber. Não tenho nenhuma vontade de comprar carro aqui. E olha que gosto de carros velozes. Tenho andado muito de metrô, ônibus e a pé. Volto da agência todos os dias a pé, uma hora de caminhada.

A publicidad­e está vivendo um refluxo muito grande, um ciclo difícil e que é típico das atividades criativas em que às vezes se tem um processo onde vão mal, mal, mal, até chegar ao fundo do poço para então surgir uma próxima revolução criativa. Mas essa obsessão do patrulhame­nto está barra pesada

E por que Londres?

Para mim, que gosto muito de Nova York, Londres é a melhor NY do mundo. Em todos os sentidos. Tem tudo que tem em NY, mas é mais limpa, não tem gente se atropeland­o na rua. Tudo aqui acontece antes. E nos últimos anos aconteceu a única coisa que Londres não possuía, que é se transforma­r em um centro gastronômi­co melhor que NY. Quero fazer da minha casa uma miniembaix­ada para acolher os meus amigos brasileiro­s bacanas. Há uns meses, o Gil veio cantar com o Cortejo Afro em Londres e depois fizemos um jantar delicioso aqui.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil