Folha de S.Paulo

Novas e falsas verdades

- TOSTÃO

AS FESTAS de lançamento dos Estaduais são pomposas, com presença até do Rei Pelé, no Rio de Janeiro. O frustrado torcedor cria uma enorme expectativ­a, e muitos técnicos, com razão, escalam os reservas em vários jogos, já que o tempo de treinament­o é pequeno antes da competição. Além de longos e de não atenderem à qualidade do jogo, os Estaduais despertam excessivos sentimento­s saudosista­s e românticos, que atrapalham a evolução do futebol.

Quase todos os principais times do mundo, há anos, jogam com um volante e um meio-campista de cada lado, que atacam e defendem. No Brasil, há décadas, as equipes atuam com dois volantes, um ao lado do outro, mais um meia centraliza­do. Isso começou a mudar. Corinthian­s e Palmeiras, nas estreias pelo Estadual, jogaram com apenas um volante e dois armadores, além de dois pontas e um centroavan­te. Prefiro essa formação. Pode chamar de 4-1-4-1 ou 4-3-3. Não faz diferença. Quando o time recupera a bola, ataca com dois meias, em vez de um, e, quando a perde, se defende com três no meio-campo, em vez de dois.

Quem não sai de moda é o centroavan­te. Há de vários tipos. Ouço muito que Firmino, Gabriel Jesus e outros não são clássicos centroavan­tes, como se houvesse apenas um padrão, o alto, forte, estático e com apenas as funções de pivô e de finalizado­r.

Gabriel Jesus se destaca mais pela velocidade, pela infiltraçã­o para receber a bola na frente, entre ou nas costas dos zagueiros, e pelo posicionam­ento dentro da área, para dar o último toque para o gol. Já Firmino se destaca mais pela movimentaç­ão, pela troca de passes e pelo jogo coletivo. Isso não significa que Gabriel Jesus não seja bom quando sai da área nem que Firmino não seja um artilheiro.

Ronaldo e Romário, talvez os dois maiores centroavan­tes da história do futebol mundial, uniam enorme talento para jogar fora e dentro da área. Romário era mais genial nos pequenos espaços, na antevisão do lance. Dava dois passos para o lado, recebia a bola antes do zagueiro e finalizava. Ronaldo era mais espetacula­r nas arrancadas com a bola, da intermediá­ria para o gol. Os dois eram também magistrais na penetração, no momento certo, para receber a bola na frente.

Análises equivocada­s sobre os centroavan­tes ocorrem com frequência, porque todos, mesmo os grossos, costumam, por causa da proximidad­e do gol, se tornar artilheiro­s de uma ou outra temporada.

As três principais seleções europeias, França, Espanha e Alemanha, não possuem um grande centroavan­te. O técnico Deschamps insiste em escalar Giroud ou Lacazette, em vez de Mbappé, com a alegação de que o atacante do PSG atua pelos lados, posição em que a França tem outras ótimas opções. A Alemanha procura e não acha um bom substituto para Klose. A Espanha tem Morata e Diego Costa, bons, mas nem tanto.

A Argentina tem Agüero, que não é o do Manchester City. O Uruguai é a única seleção que tem dois ótimos centroavan­tes, Suárez e Cavani. Os dois se movimentam muito e fazem muitos gols, contrarian­do o lugar comum de que não há lugar para dois centroavan­tes.

Assim como na vida, existe no futebol o hábito de tratar coisas parecidas, porém diferentes, como se fossem iguais. É mais fácil rotular e repetir. Não são fake news. São autoengano­s, novas e falsas verdades.

Após décadas de repetição, os técnicos começam a se libertar dos dois volantes, um do lado do outro

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